Como passar de bestas a bestiais

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Os investigadores da alma humana deviam dar mais atenção ao futebol.

Analisar as reacções das pessoas a um jogo decisivo da equipa do seu país revela certamente muito mais sobre as características de um povo do que mil exames de imagiologia ao cérebro

e outros tantos inquéritos e testes. Durante o mês do Mundial os cientistas do mundo deviam abandonar os seus laboratórios fechados, instalando-se discretamente num café lá do bairro. O jogo de ontem, entre Portugal e a Coreia do Norte, revelou a facilidade com que nós portugueses passamos de bestas a bestiais em menos de duas horas (o vice-versa geralmente ainda é mais rápido, mas adiante).

Às 12h10, éramos o mais pessimista dos povos. Estava tudo mal, da economia ao plantel, passando obviamente por Carlos Queiroz, e acabando na hora a que se realizava o “desafio”, porque sim, quem é que tem vontade de ver um jogo a meio do dia, comos chefes lá da

repartição por companhia, malditos fusos horários, malditos chefes, maldito Sócrates.

Às 12h45, estávamos de ombros dobrados, acabrunhados, a criticar a estratégia, a colocação em campo, as bolas que fugiam dos pés. A postura era de derrotados, que é por causa das expectativas, que são uma coisa que dói como o diabo quando se desiludem.

Aos 29 minutos de jogo, saltámos todos das cadeiras. Golo, abençoado Meireles, mas pronto, voltámos a sentar-nos quietinhos, que convém não esperar muito.

Aos 53 minutos, animámo-nos de novo, aos 56 minutos, entrámos em êxtase, e daí para diante agimos como se não esperássemos outra coisa.

 Aos 88 minutos, já se “mandava vir” com Ronaldo, e aos 89 minutos aceitámos o sétimo golo de Tiago como se fosse uma inevitabilidade. E era, porque por essa altura já tínhamos a melhor equipa, o melhor treinador, o melhor país e o melhor Sócrates. Até a economia parecia sorrir.

Isabel Stilwell, in "Destak", terça-feira, 22 de junho de 2010