domingo, 29 de agosto de 2010

São tristes, os portugueses?



Maria de Lurdes Vale, Diário de Notícias, 29-08-2010



Ter um estrangeiro em casa não é a mesma coisa que visitar um outro país. É melhor. Obriga-nos a um confronto mais íntimo de atitudes, comportamentos e valores. Obriga-nos a perceber aquilo em que somos diferentes e mais ou menos parecidos. E a chegarmos a determinadas conclusões.
Tenho uma americana em casa. Chama-se Lindsey, está a fazer um mestrado de interpretação em espanhol numa Universidade em Granada e, como nesta altura o calor aperta demasiado no Sul da vizinha Espanha, pediu-me para vir escrever a tese perto do mar e conhecer melhor Portugal e os portugueses.
Lindsey é jovem. Tem 24 anos e uma imensa curiosidade. Vem de uma aldeia do Novo México, que fica a oito horas de avião de Nova Iorque e a 16 de Lisboa, e em que nada há para fazer a não ser desfrutar da paisagem. Descende de uma família de holandeses que se instalaram há dois séculos no Ohio, embora os pais, por necessidade de trabalho e vontade de viver mais em contacto com a natureza, tenham decidido mudar de estado. Partilha connosco fotografias da sua casa, de madeira clara e decorada com tapetes navajos, e a única coisa que se vê em redor são montanhas áridas e enormes rochedos.
A mãe de Lindsey é enfermeira num hospital que fica a uma hora e meia de casa e o pai é mecânico e agricultor. Ela ali cresceu e ali brincou. Aprendeu a escalar, a montar a cavalo, a conhecer as plantas, os animais... aranhas e escorpiões. Descreve a sua infância como imensamente feliz e diz que se sente mais criativa e preenchida que os miúdos que hoje passam horas e horas frente a um computador.

Talvez por não ter Internet tenha cedo percebido que devia ir fisicamente à conquista do mundo e da vida. Foi o que fez quando pediu um empréstimo à universidade em que se inscreveu para fazer o curso com que sempre sonhou. Longe de casa, vivendo numa residência, aproveitou todos os minutos para ler e cultivar-se. Fez programas de voluntariado em dois países da América Latina, lidou com a pobreza mais miserável e percebeu numa outra viagem à Costa Rica, de que muito fala, que um país não precisa de ser rico para que as pessoas se sintam felizes.
Em Granada, no último ano, trabalhou e estudou. Deu aulas de Inglês para pagar o aluguer do quarto e foi feliz. Depois de apresentar a tese vai regressar aos EUA, munida do castelhano, que domina escrita e oralmente, para trabalhar junto da comunidade latina... Da Europa, fica-lhe algo por compreender: como é que neste bloco geográfico tão pequeno, em que tudo está tão perto, as pessoas e os países parecem tão distantes? E sobre nós: porque é que Portugal é tão bonito e os portugueses tão tristes?

O Fado, óleo sobre tela, de José Malhoa, 1910

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-