quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Xenofobia é a arma dos curtinhos

Os europeus não estão preparados para viver em sociedades multiculturais

Agosto também significa muitos automóveis de matrícula estrangeira nas aldeias, vilas e estradas de Portugal. São os emigrantes, de férias perto das suas raízes . As matrículas aparecem aos molhos: à volta de Bragança há mais carros de Andorra, em Vila Real, da Bélgica, noutros sítios da Alemanha ou do Luxemburgo. Por toda a parte, da França. Em muitos casos, as famílias emigrantes já vão na terceira geração: os mais velhos agora reformados, com um pé cá e outro lá, os mais jovens a falar apenas "estrangeiro", mais o tempero de umas escassas palavras de português.
Quem os cruza vê que se integraram bem nos países de acolhimento. A integração nas terras dos outros foi vista pelos nossos compatriotas como fazendo parte do êxito na vida. Foi um ato deliberado. Não foi fácil. Nem sempre suficiente para evitar uma ou outra piada racista. Mas fez-se e evitou conflitos de maior.
Agora, a França, a Bélgica, a Alemanha, a Inglaterra e outros Estados debatem-se com um problema inédito: com emigrantes que não se querem fundir com a sociedade que os recebeu. Que afirmam, muitas vezes com militância, a sua identidade étnica, religiosa e um sistema de valores distinto. Querem continuar a ser diferentes dos autóctones. São, no conjunto da Velha Europa, milhões de pessoas oriundas dos Balcãs muçulmanos e de fora da Europa.
Algumas dessas populações chegaram, como os portugueses, há duas ou três gerações. Mas, a maioria, veio para a Europa nas últimos 15 anos. Foram aceites quando a liberalização das economias levou à euforia de acreditar que o crescimento económico europeu não tinha limites. Os governos deixaram entrar massas de novos emigrantes, que o laxismo servia bem os interesses dos grupos económicos dominantes. Em poucas anos, fisionomias vindas dos mais estranhos cantos do globo passaram a fazer parte da paisagem humana europeia.
Foi, mais uma vez, uma visão política de curto prazo. O que começara por um fechar de olhos nas fronteiras e no policiamento de estrangeiros em situação irregular, deu lugar a uma torrente. Hoje, a situação está a ficar fora de controlo. Os sentimentos xenófobos, que irromperam há meia dúzia de anos na Holanda, estão, agora, a propagar-se. As declarações recentes de Nicolas Sarkozy, que estabeleciam uma relação entre insegurança e emigração, com punições diferenciadas segundo a passado nacional dos infratores, são apenas a ponta de uma crise social que se anuncia. A xenofobia é um capital político fácil de explorar, sobretudo em períodos de crise e quando os governos são fracos. No caso da França, por exemplo, apenas meia dúzia de intelectuais de esquerda e um punhado de gente com uma visão mais universal da vida se insurgiu contra as propostas de inspiração xenófoba do presidente.
As questões identitárias, quando tratadas de modo populista e em tempos de incerteza, são altamente fraturantes. O patriotismo mal enjorcado leva ao desastre. A verdade é que os europeus não estão preparados para viver em sociedades multiculturais. Essa é uma das grandes diferenças na comparação com os Estados Unidos. Mas, terão de se habituar. Já não há outro remédio. Temos de compreender que a Europa se transformou num espaço étnico multifacetado. Caberá às instituições europeias e aos Estados-membros mostrar liderança em matéria de tolerância entre culturas. Mas não só. O respeito pelos outros, por mais diferentes que possam parecer, é uma tarefa que incumbe, igualmente, a cada um de nós.

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