quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Experiências que não dizem nada...

Sob o título acima, escrevi o texto que se segue, em 03 de junho de 2006, e publiquei-o no tópico "Textos" da Comunidade (orkut) "Comissários/as Aposentados RG". Ontem, revi-o e decidi republicá-lo aqui, sem edição. Um dia destes, publicarei outros textos (pequeninos) - que já manuscrevi - sob outro ângulo e com outra intenção. JP

Com 12 anos, Luanda, 1962
Nasceu em 1950. Cinco anos antes acabara a 2ª Guerra Mundial. E começava a da Coréia.
Em 1933, a maioria do povo alemão elegeu Adolf Hitler. Meses antes, em fevereiro, Hitler mandara atear fogo ao parlamento alemão, o Reichstag, e atribuira esse atentado aos comunistas alemães.
Em 1939 Hitler invade a Polônia. Começa a 2ª Guerra Mundial.
As maiorias alemãs, italianas e japonesas acreditavam e apoiavam os seus governantes. Joseph Paul Goebbels era notável. Gênio da propaganda e manipulação política. Quanto aos japoneses, talvez ainda haja escondido em alguma selva um combatente.
Em julho de 1953 acaba a guerra da Coréia.
O pequenino e subdesenvolvido Portugal tinha um império colonial.
A infância era feliz.
Aos quatro dias de fevereiro de 1961, foi atacada a esquadra (delegacia) móvel. Justamente a Esquadra de Polícia Móvel, corpo de elite recém chegado da metrópole. Ficava no início da estrada do Catete. Dias depois, sim, dias depois, por ocasião do enterro desses cinco policiais, no Cemitério Novo, lá estava ele. Havia ido ao cemitério para o curso de catequese. Quando, de repente, estoura a confusão: gritos, todo o mundo correndo para a traseira do cemitério, tiros. "Abaixem-se! Abaixem-se!", "são os terroristas!".

Em março de 1961, a U.P.A. (União dos Povos de Angola) atacou roças (fazendas) no norte da província portuguesa. As notícias davam conta de massacres, eviscerações... um horror! Assim começou…
Para ele, todos os pretos eram terroristas e a Rádio Brazzaville, que emitia uma vez por dia, à noite, era controlada pela União Soviética.
É claro, se alistou na Mocidade Portuguesa; bermuda cáqui, camisa verde, escudo de Portugal dourado no bolso esquerdo, boné tipo a forma do "soldado de papel". Que orgulho em desfilar pelas ruas do bairro. Ou participar num evento no Estádio dos Coqueiros 'homenageando' alguma autoridade em visita à província...
As manifestações pela Paz que, curiosamente, só se realizavam nas capitais dos países democratas, nunca, jamais, em nenhuma capital dos países da 'cortina de ferro'.
Enfim, até aos 15 anos vivera num país em guerra - pela liberdade, descobriu depois. Como descobriu depois que a Mocidade Portuguesa, com aquelas "quinas", "bandeiras", "falanges" e a saudação com o braço esticado, havia sido criada por Oliveira Salazar à semelhança da Juventude Hitlerista.
Aos 15 anos vai para um país cheio de "bufas", delatores de todos os tipos e disfarces, que denunciavam e entregavam qualquer conversa que lhes parecesse suspeita. E a PIDE (Polícia Internacional e Defesa do Estado) chamava o 'denunciado', quando não o prendia ou sumia com ele...
Seu tio, que era do PCP, na clandestinidade, óbvio, o impressionava com o seu paciente proselitismo.
Depois, ele ficou sabendo que fora um engraxate quem denunciara a conversa sobre os pretos: eram burros ou ignorantes? Por que os colonos nunca lhes haviam ensinado nada??
Este país viveu assim, na escuridão da ditadura fascista por 48 anos. Mais tarde, viu claramente, o que era a ditadura fascista (de direita).
Era setembro de 1967, chegava em Dolisie. De férias, pensava ele. Mas já na primeira noite seus pais o informaram que não mais retornaria. Por causa do serviço militar, da guerra colonial.
A República do Congo-Brazzaville era marxista-leninista (ou o 'socialismo científico'). Era muito engraçado para ele ver os russos, os tchecos, os cubanos, os chineses, os coreanos... Estes, nos folhetos de propaganda que ele se habituara a recolher nas embaixadas, se referiam ao seu governante, Kim-Il-Sung, como o líder bem amado e inconteste de tantos milhões de coreanos... dos chineses lamenta não ter guardado um exemplar do livro vermelho.
Conversou com o MPLA - Movimento Pela Libertação de Angola.
Casado e de saco cheio de ameaças de expulsão, por qualquer bobagem, de saco cheio da ditadura marxista (de esquerda) resolveu emigrar. Foi ao jantar que o Brasil foi 'escolhido'.
Desembarcou no aeroporto do Galeão em 29 de março de 1972. Vinha de Dakar, num avião da Swissair. Governava o Brasil o general Emílio Garrastazu Médici.
Nesse mesmo dia, seu tio o levou a um restaurante no Castelo, no centro da cidade, Av. Franklin Rossevelt. (Pois é, era o Espanhol...) Bom, ao passar pelo porto do Rio, Av. Francisco Bicalho, ele viu "Brasil, ame-o ou deixe-o". Aquele outdoor tilintara algo em sua cabeça. Comentou com o tio. E este lhe recomendara vivamente muita prudência, para não falar com ninguém... "Porra! onde vim me meter!?!", pensou.
Meses depois, num apartamento na Toneleros, Copacabana, ouvia um grupo de universitários explicar e defender o FGTS. E com ele o 'resto'. Sobre 1964 e 1968 ainda não sabia de nada. Descobriu mais tarde quando se interessou pela História do Brasil.
Mas, ainda assim, não sabendo da missa a metade, e apesar da normalidade, felicidade e ufanismo dos amigos e conhecidos cordiais, apesar do Amaral Netto, cedo se apercebera que era imigrante numa ditadura (de direita).
Viu a maioria eleger a Arena.
Em julho de 1976 quase é demitido porque, segundo palavras do gerente (que ele recorda até agora), "consta que você tem problemas com as autoridades brasileiras..."
Dias depois dessa conversa, após apurada investigação do DOPS, claro, foi-lhe entregue, em sessão solene, o Certificado de Naturalização.
De dezembro de 1979 a setembro de 1981, baseado em Lisboa, conhece, enfim, a Democracia Política. A profusão e confusão de partidos políticos e movimentos sociais impressionava. Ele e o amigo Marson exclamavam " Nossa! Parece que estamos noutro planeta!"
Em 1989, vota, pela primeira vez, para a presidência da república. 39 anos de vida, pratica a Democracia Política.
Viu as maiorias eleger Collor, FHC, Garotinho, Lula...Ah, ele ficou sabendo quem pedira a sua cabeça junto ao “Seu” Norton e ao “Seu” Sérgio, e divulgara essa 'estória' de que ele era um comunista fugido de Angola...

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