sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Anda um espectro pela Europa

Esta UE é hoje contrária aos interesses do povo europeu

Anda um espectro pela Europa. O espectro percorre latitudes e longitudes diversas: do Báltico ao mar Egeu, do Mediterrâneo ao mar do Norte, do mar Negro ao Atlântico. Milhões de homens, de mulheres e de jovens, com graus muito diversos de amadurecimento da sua consciência social e política, engrossam uma corrente de protesto e de luta que se vai erguendo no Velho Continente. Reagem a uma degradação das condições de vida e de trabalho que não encontra paralelo nos seus múltiplos trajectos de vida e experiências históricas mais recentes.
Portugal, Espanha, França, Bélgica, Alemanha, Itália, Grécia, Chipre, Roménia, República Checa, Polónia, Lituânia, Letónia, Finlândia, Reino Unido (incluindo Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) e Irlanda: em todos estes países, o último trimestre ficou marcado por formas diversas de luta dos trabalhadores - greves, protestos, paralisações, concentrações ou manifestações. Mas, por alguma razão, tirando um caso ou outro, o espectro tem passado relativamente à margem das agendas noticiosas da maioria dos órgãos de comunicação social.

À semelhança do que sucedia em meados do século XIX, "os poderes da velha Europa" agitam-se, inquietos, perante este espectro. Sabem que estão a esticar a corda, a um ponto que ameaça ultrapassar o seu limite de resistência. Sabem que estão a expor, de forma cada vez mais evidente, o carácter opressor e injusto do sistema que defendem e que os mantém, as suas contradições e irracionalidade intrínsecas.
Na semana passada, tivemos mais um vivo sinal deste esticar de corda. O Eurogrupo (grupo que reúne os países que aderiram ao Euro) debateu a situação em Portugal, na Grécia e na Irlanda. No final, produziu declarações sobre a situação nestes três países.
Aparentemente distintas, as três declarações têm os mesmos destinatários, e aquilo que é dito para cada um destes países serve de aviso aos outros dois.
Relativamente a Portugal, o Eurogrupo saúda "a proposta de Orçamento do Estado para 2011" e, bem assim, o anúncio de que "o Governo português irá acelerar a agenda de reformas estruturais" (a servir de aviso para o que aí vem...), ao mesmo tempo que "convida as autoridades nacionais a especificar quais serão essas reformas", adiantando todavia, desde já, que as mesmas se deverão "focar na remoção da rigidez do mercado de trabalho, incluindo na formação dos salários", de forma a "aumentar a produtividade".
Outras áreas alvo de reformas, ainda de acordo com o Eurogrupo, deverão incluir o sistema fiscal, os serviços públicos, em especial os serviços de saúde, e a administração pública (sendo de salientar, em qualquer dos casos, a necessidade de prosseguir e intensificar a redução da despesa pública). Atenção particular é também dedicada ao chamado "ambiente de negócios", para o bom funcionamento do qual deverão ser "removidas as barreiras ainda existentes". Falam, está claro, da completa liberalização e privatização de sectores ainda resguardados (mesmo que já só parcialmente) de uma lógica, pura e dura, de lucro, de negócio - de que a saúde é um exemplo elucidativo.
O significado destas declarações não deve ser subestimado. O seu conteúdo é bem revelador da verdadeira face de quem dita as regras na UE, e deixa bem claro como esta UE é hoje profundamente contrária aos interesses dos povos europeus.
Para quem ainda acalentasse ilusões de que, perante a crise, a UE alteraria o seu rumo, aprendendo com as suas consequências e alterando as políticas que estiveram na sua origem, aqui está enunciada uma vez mais, preto no branco, a estratégia do passo em frente perante o abismo.
Valha-nos o espectro que, quer queiram quer não, por aí anda, agitando e indispondo os senhores da velha Europa. É a nossa mais sólida razão de esperança e de confiança no futuro...
João Ferreira, Deputado do PCP ao Parlamento Europeu, Diário de Notícias, 25-11-2010

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