segunda-feira, 29 de novembro de 2010

"Esta operação tinha de acontecer"




Henrique Salgado, Produtor do documentário 'Complexo - Universo Paralelo'. Tem 36 anos e conhece bem  o Complexo do Alemão. Foi lá que passou meses a produzir um documentário que capta a dura realidade de um dos mais violentos aglomerados de favelas do Brasil

O BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) tomou ontem conta do Complexo do Alemão após uma operação que envolveu uma força de 2600 homens. Como é que encara o desfecho desta invasão?

Tenho estado a acompanhar de perto as notícias. Esta operação teria de acontecer mais cedo ou mais tarde. Não era possível que a situação continuasse como estava. Mas acho que, até agora, ainda não havia vontade política. Finalmente, aconteceu aquilo por que todos esperavam.

A imagem do Rio de Janeiro vai sair reforçada, agora que começam os preparativos para os Jogos Olímpicos de 2016?
Penso que este é um dos primeiros passos para acabar com a criminalidade na cidade, já que o Complexo do Alemão é o quartel general do Comando Vermelho, a principal facção criminosa do Rio de Janeiro.

O Henrique produziu o documentário Complexo - Universo Paralelo, resultado de vários meses de filmagens nas favelas deste complexo. Como é que conseguiram ter acesso ao local?
A oportunidade surgiu quando fizemos um videoclip para o artista MC Playboy. Conhecemos o complexo e achámos que havia conteúdo suficiente para avançar, apesar de ser um local bastante inacessível e de sabermos que um jornalista que lá entrou em 2002 [Tim Lopes] foi assassinado. Mas o Mário e o Pedro Patrocínio [os dois irmãos que assinam o filme] apaixonaram-se pelo sítio.

O que é que mais o chocou enquanto lá esteve?
Chocaram-me as condições de vida das pessoas. Aquilo que a nós nos parece pouco, para eles é muito. As coisas melhoraram com o Programa de Aceleração e Crescimento (PAC), que resultou num investimento de milhões de reais nas favelas, mas as pessoas continuam a ter uma vida muito difícil. Agora, com a saída dos traficantes poderão haver algumas melhorias em termos económicos. As empresas começam a ver com os outros olhos aquela zona.

Passaram quatro anos a investigar antes das filmagens. Alguma vez pensaram desistir?
Tivemos de encontrar parceiros e tentar ajuda em vários lugares. Houve muitas portas que se fecharam, mas não, nunca pensámos em desistir.

No vosso filme, que marcou presença no Doc Lisboa 2010, é explicada a origem do nome Complexo do Alemão. Quer contar-nos a história?

Houve um polaco chamado Leonard Kaczmarkiewicz que nos anos 20 saiu do seu país e foi morar para a serra da Misericórdia. Como ele era estrangeiro e loiro, um "gringo", chamavam-lhe o alemão.

Continuam em contacto com as pessoas que conheceram?
Sim, claro que sim. Estive o dia todo a falar com pessoas que lá vivem através do Twitter e do Facebook. Todas dizem que não dava para continuar a viver daquela maneira. As pessoas queriam mudança e estão contentes que isto tenha acontecido.

Já pensaram em voltar um dia?
Temos a hipótese de ir lá fazer um Complexo II. Há sempre a hipótese de voltar. Deixámos lá amigos. 
Catarina Reis da Fonseca, Diário de Notícias, 29-11-2010

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