terça-feira, 30 de novembro de 2010

A importância do ócio

Hoje, em grande medida, vive-se concentrado nos meios de vida, mas subestima-se o fim da vida
Alberto Benegas Lynch. *
Aristóteles escreve na obra Ética a Nicômaco, que as ocupações para contar com recursos para viver são “para  ter ócio”, ou seja, para a vida contemplativa, para adentrar-se no sentido da vida e para o conhecimento (daí que “a virtude é o conhecimento”, de acordo com os ensinamentos socráticos).
É por isso que, de acordo com Josef Pieper em “O ócio e a vida intelectual”, a expressão “ócio” deriva de escola, “assim, pois, o nome com que denominamos os lugares em que se leva adiante a educação, e inclusive a educação superior, significa ócio”. É por isso que Aristóteles em “A política” sustenta que o ócio é o ponto cardeal em torno do qual gira tudo.
Hoje, em grande medida, vive-se concentrado nos meios de vida, mas subestima-se o fim da vida. Muitos se vangloriam de ter agendas cheias de meios, mas não deixam espaço para os fins. Trabalhar para a arbitragem cotidiana, ou seja, trabalhar para comprar barato e vender caro sem o menor esforço de trabalhar o espírito. Como já dito, ninguém no seu leito de morte se arrepende de não ter ido mais ao escritório, contudo, há arrependimentos por não ter alimentado mais a alma.

Não são poucos os opulentos materiais, mas paupérrimos intelectuais. O que nos caracteriza como seres humanos e nos diferencia das outras espécies é a psiqué, é a capacidade de mergulhar na nossa origem e de conjecturar acerca de nosso destino. Não contribuímos para fazer que o mundo seja melhor porque nos dedicamos exclusivamente aos meios alimentares, mas sim pelo trabalho que dedicamos para dar alimento aos fins e ao escopo de nossa existência. Sem bússola não é possível chagar a nenhum lugar.
Os fundamentos da sociedade aberta resultam indispensáveis para prosperar mas, por uma parte, seria uma tarefa vazia se não forem aproveitados os tempos de ócio apagando-os com mais negócio (não-ócio) e, por outra, a mesma sobrevivência da liberdade depende do uso que seja dado ao ócio, para efeitos de investigar os  pilares do respeito recíproco.
Conforme William Hazlitt, os negociantes de tempo completo sentem uma insuportável fadiga quando pensam no que excede o meramente comercial, e Robert Louis Stevenson afirma que esses personagens vivem em estado comatoso, já que para eles o mundo que vai mais além do negócio “é um alvo total”. Isto ocorre até que a asfixia totalitária não os deixa respirar, já que estão com uma amarra que lhes rodeia o pescoço… ainda que como predito por Lenin, certos “capitalistas competirão pelas amarras com as quais serão enforcados”.
Como bem aponta Pieper, “a falta de ócio, a incapacidade para o ócio, está em relação estreita com a preguiça; da preguiça é de onde procede a  intranquilidade e a atividade incansável do trabalhar pelo trabalho”.  É a incapacidade para se olhar por dentro, o que, de acordo com Joseph Fabry na sua obra “Em busca de significado”, sucede aos que não podem estar sozinhos, porque são presas da “síndrome do domingo”, precisam de ruído ao seu ao redor para estrangular a vida interior, são aqueles que dão rédeas soltas aos “desejos atávicos e zoológicos”, para fugir de si mesmos, em fuga de “um olhar centrípeta”.
Estes pequenos são os que se mofam dos teóricos, ao mesmo tempo em que eles alardeiam de práticos sem perceber que tudo o que usam é indefectivelmente consequência de elaborações teóricas. O pensamento abstrato é para eles um mundo inacessível, sem sabê-lo, somente praticam os ditados dos inovadores, que conceberam tudo aquilo no que descansa o prático. É indispensável antepor o ócio ao negócio para dar chance que a vida espiritual abra o caminho para a sociedade livre.
Os adiantamentos tecnológicos devem ir precedidos pelo guia moral, caso contrário inexoravelmente aqueles serão utilizados para o mal. E, não só isso, mas sim que a própria concepção tecnológica reduzirá sua qualidade devido a que os sinais no mercado estarão distorcidos pela intervenção do aparelho estadual e “as melhoras” conseguidas carecerão cada vez mais de significado, já que será em grau crescente, o resultado das demandas da estrutura política e não da gente (e na fase de transição sempre deve se contemplar o contra fático, ou seja, quanto mais se teria conseguido, se tivesse deixado o mercado operar).
Diz-se que deve se deixar cada um fazer o seu e se ocupar de seus negócios, mas aqui há duas observações relevantes. Por um lado, “o seu” também é o ócio e não se circunscrever ao negócio. Mas, ainda mais importante é notar que não há o seu se não houver espaço para o ócio, que permite estudar e difundir as ideias da liberdade, inclusive para poder fazer negócios. Constitui um espetáculo bastante vergonhoso, o que fazem a cada tantos anos, aqueles que “fazem o ridículo”, durante o resto do tempo se sentem reivindicados pelas enfáticas opiniões emitidas, enquanto aos candidatos que apoiarão na próxima campanha eleitoral, os quais são naturalmente, cada vez mais esquálidos em seus discursos, devido, precisamente, à oposição destes fantoches durante o resto do tempo.
Isto para nada significa desqualificar o mundo dos negócios, sem os quais, entre muitas outras coisas, não disporíamos de pão, de leite, de medicamentos, de moradia, de luz, de livros (nem de jornais). O que se trata é compreender que nada do que apreciamos pode existir - começando pela própria condição humana - se não lhe dedicamos o espaço suficiente para o ócio, no sentido aqui comentado. Com razão aborrece muito, por exemplo, quando se diz pejorativamente que os médicos são comerciantes, como se essa profissão e a medicina em geral, devessem viver de ar e como se quem a condena não estivesse mantido pelo comércio. Finalmente, o comércio significa dar a outros, o que precisam em troca de entregar o que o primeiro requer. São serviços recíprocos.
Contudo, há um complexo de inferioridade por não trabalhar tempo integral nos meios de vida. É como se isto desse sentido à própria existência. Tanto é o vazio existencial que há que ser totalmente preenchido com as atividades comerciais, do contrário, a pessoa estima que não é ninguém e, efetivamente, tem razão, mas subestima sua condição de vazio, posto que continua sendo ninguém ainda que esteja no escritório durante as 24 horas ou esteja “conectado” a algum meio eletrônico, porque, na verdade, está desconectado da vida. Para estes sujeitos dedica-se a reflexão de Borges, quando escreve na obra “O fazedor”: “Já se havia adestrado no hábito de simular que era alguém para que não se descobrisse sua condição de ninguém”.
Presidente da Seção Ciências Econômicas da Academia Nacional de Ciências da Argentina. É Professor Emérito da Eseade (Escola Superior de Economia e Administração de Empresas em Buenos Aires), instituição na qual  desempenhou o cargo de Decano por 23 anos. Este texto publicado anteriormente no jornal “Diário da América", Nova Iorque, 28 de outubro de 2010.
Envolverde/Instituto Akatu
Colaboração: Cláudia Bulcão, EUA

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