segunda-feira, 22 de novembro de 2010

"Vai haver mais tolerância para quem usa o preservativo"

Helena Vilaça
As palavras do Papa surpreenderam Helena Vilaça (Socióloga das religiões, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto), que as considera mais viradas para fora do que para dentro. Em privado, os católicos sempre geriram esta situação


Entrevista a Rita Carvalho

Como reage às palavras do Papa?
Considero-as um passo surpreendente. E um sintoma de secularização e de adaptação ao mundo contemporâneo. O dossier mais delicado da Igreja Católica sempre foi a moralidade. E pela primeira vez o Papa abre uma excepção no tema da contracepção.

Como pode ser entendida esta excepção?
Como uma secularização interna pressionada por uma situação do mundo cá fora e que coloca a Igreja Católica numa posição de negociação e cedência. Deixa de haver uma proibição radical e incondicional. Ao dizer depende, o Papa abre possibilidades.

Mas considera que a posição, até agora defendida pelo Papa nesta matéria, tem vindo a afastar os católicos da Igreja?
Acho que não. Pois grande parte dos católicos, até os praticantes, ignoram este assunto. Apesar de se reverem nos preceitos católicos, na sua vida privada fazem as suas opções e fazem planeamento familiar, com base nos métodos contraceptivos. Ou seja, separam a moralidade privada da doutrina oficial e ortodoxa e gerem as coisas à sua maneira.

Isso não é contraditório?
Pode ser visto como algo contraditório para quem não é católico. Mas prova que os crentes têm sentido crítico e que a religião não é a única fonte de moralidade, e são influenciados por outros subsistemas sociais. Temos de ter em conta também que, de acordo com os últimos censos, 84,5% dos portugueses se disseram católicos e a maioria não tem prática regular.

Então isso significa que nada vai mudar na vida prática dos fiéis?
Significa que vai haver mais tolerância para quem usa o preservativo. Acho que isto é mais uma mensagem para fora do mundo católico do que para dentro. Como socióloga, entendo-a como um indicador de adaptação aos novos tempos e de tolerância. Contudo, implica uma revisão teológica na forma como a Igreja tem lidado com a questão.

Mas os católicos dizem-se satisfeitos com a mudança de posição do Papa...
Dentro da Igreja, possivelmente muitos vão-se congratular com isso. Só talvez os mais conservadores possam ver com maus olhos este avanço.

Acha que já pensavam assim mas não ousavam dizê-lo?
A Igreja Católica, ao contrário de outras como a protestante, tem uma hierarquia muito rígida, é chefiada por um líder. Acredito que muitos já pensassem assim. Mas agora sentem-se legitimados a emitir a sua opinião, porque o Papa já o disse. Até agora não sentiam liberdade para o fazer, mesmo que já pensassem assim.
Pode aproximar algumas pessoas que estavam afastadas?

Não sei. Talvez. Com este passo, a Igreja Católica abre espaço a uma maior pluralidade. Mas o grau de abertura e liberdade não é necessariamente um sinal de maior adesão. Curiosamente, as igrejas mais liberais, onde os padres e bispos até podem ser casados, não têm mais pessoas nos seus cultos. As igrejas protestantes são espaços plurais, mas a sua liberdade não se tem traduzido num maior número de membros. Às vezes são as igrejas onde há mais normativos que têm mais pessoas a frequentá-las.
Rita Carvalho, Diário de Notícias, 22-11-2010

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