quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A 'pedrinha' está a ficar muito cara

Com ou sem a direita a salivar, com ou sem um governo altamente motivado para não "torcer", a verdade é que os juros a que nos estamos a financiar se aproximam do insuportável e ameaçam mesmo quebrar a nossa economia



Portugal é a última pedrinha que segura o dique; é o último 'peão' antes de se chegar a Espanha", disse a eurodeputada Elisa Ferreira, comentando a resistência portuguesa às pressões dos mercados financeiros internacionais. Conseguirá Portugal resistir? Ninguém sabe. Nem mesmo Augusto Santos Silva que prefere, sobre esta matéria, destacar a "direita que saliva" com a possibilidade de tirar dividendos políticos de um eventual fracasso desta mobilização global para colocarmos a cabeça fora de água. Mas o engraçado das duas declarações é que passam rigorosamente 'ao lado' do essencial da questão portuguesa. Mostram preocupações que estão para lá (ou aquém) do grave problema de financiamento da economia e que, de forma direta ou indireta, podem não ser coincidentes com os interesses económicos e financeiros do País.

A maneira como os parceiros mais fortes da União Europeia têm olhado para as dificuldades sentidas por vários dos seus vizinhos tem oscilado ao longo dos meses, ora por simples sobranceria face aos incompetentes do Sul ora por razões de óbvia gestão de política doméstica. Até que o problema "do Sul" começou a dar preocupantes sinais de contágio, o que levou a novo olhar, mais cuidadoso, sobre os raides aos países mais fracos do euro. E é aqui que Portugal aparece como "a pedrinha que segura o dique". É que, depois das capitulações da Grécia e da Irlanda, se Portugal "cai" perante os mercados financeiros, o risco de outros passarem à condição de próxima vítima aumenta substancialmente. A começar pela Espanha e pela Itália, e indo sabe-se lá até onde.
O que Elisa Ferreira está a dizer, é que Portugal, apesar de ser um "peão", pode muito bem ser aquele peão que, usando linguagem xadrezista, convém não deixar comer pelo adversário. Porque embora tão irrelevante quanto o peso relativo que tem, nas atuais circunstâncias pode ganhar o peso suficiente para que a balança se desequilibre de vez por força das pressões sobre o euro, lançando a moeda única e o próprio conceito de União Europeia para zonas de grande risco.
Todos estes argumentos apontam para medidas extraordinárias de apoio a Portugal, em volume muito superior ao que seria natural noutras circunstâncias. E isso tem acontecido, embora parcialmente. Apesar das alegadas pressões dos grandes da Europa - casos da Alemanha e da França - no sentido de que Portugal peça ajuda ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI), a verdade é que o Banco Central Europeu tem atuado, nos últimos dias, de forma exatamente inversa, com intervenções no mercado muito mais agressivas do que é costume para minorar os problemas de financiamento portugueses. Sem o beneplácito da Alemanha e da França?
Com Santos Silva, a música é outra. Igualmente política, mas outra. Se a direita "saliva" com a simples antecipação da entrada do FMI, a disposição do Governo, pelo contrário, será a de tudo fazer para que esse bombom não venha, vez alguma, a ser saboreado pelos sociais-democratas. E não será só pelo prazer de ver a oposição a engolir em seco, porque esse é um prémio demasiado pequenino para justificar uma luta que, como já se viu, para ser vitoriosa, não será fácil nem rápida. Não, o que o Governo sabe é que deixar o FMI fora de portas é a condição mínima para que possa sonhar com a manutenção do poder, seja para levar o atual mandato até ao fim seja para ganhar uma próxima batalha legislativa, chegue ela quando chegar.
Mas as questões que se devem agora colocar são as seguintes: É hoje uma vantagem termos um Governo fortemente empenhado em tudo fazer para que o FMI não entre em Portugal? E é uma vantagem contarmos com esta mal assumida ajuda da União Europeia, via banco central, o qual começa a compreender que tem muito mais a perder com a queda da economia portuguesa do que antes pensava? Será esta conjugação de vontades o melhor que nos podia acontecer?
Façamos contas. Sempre considerei que a entrada do FMI não é um ponto de partida desejável para a resolução da crise, e que devíamos fazer tudo o que fosse razoável e estivesse ao nosso alcance para evitar essa intromissão externa, um sinal inegável, quer se queira quer não, de incapacidade para resolvermos os nossos próprios problemas. Mas tudo tem um limite. E com ou sem a direita a salivar, com ou sem um governo altamente motivado para não "torcer", a verdade é que os juros a que nos estamos a financiar se aproximam do insuportável e ameaçam mesmo quebrar a nossa economia.
Podemos ser apenas uma pedrinha, mas somos uma pedrinha que começa a custar demasiado caro, no meio de tanta hesitação europeia. Tão caro que estamos, uma vez mais, e condicionar o futuro a um preço insustentável. Até quando?
Pedro Camacho, revista Visão, de 13 a 19 de Janeiro de 2011

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