sexta-feira, 25 de março de 2011

Alguém tem o direito de achar o Piauí um “c…”? O Brasil inventou o macarthismo da justiça social, da igualdade e da não-discriminação

Joseph Raymond McCarthy
Colunistas aqui e ali se ocupam de denunciar o que chamam “marcarthismo” na cultura, na imprensa e no pensamento. A escolha da palavra já indica um alinhamento ideológico de origem. O senador americano Joseph Raymond McCarthy (1908-1957) tornou-se célebre pelo combate aos comunistas. Logo, os que vêem o tal “macarthismo” no Brasil acusam uma suposta patrulha “de direita” no país. Questionar as regras estúpidas do Prêmio Jabuti — que, finalmente, mudaram — e a concessão de láureas a um mau escritor como Chico Buarque seria, então, expressão desse “macarthismo”. Afinal, Chico se diz de esquerda; sendo assim, seus críticos só podem ser de extrema direita. Como jamais será criticado pela própria esquerda por causa do compadrio, tem-se que o homem deve ficar acima de qualquer juízo, como nem Jesus Cristo almejou ou conseguiu. Até o capilé oficial para Maria Bethania declamar “Batatinha, quando nasce…”, naquele misto de emocionalismo e condoreirismo carcará, tem de ser aceito pela brasileirada. Algumas pessoas seriam dotadas, parece, se uma inata superioridade moral, que as tornaria aptas a enfiar a mão nos cofres públicos ou a desafiar critérios elementares da lógica.
De fato, o que está em baixa no país é a liberdade de expressão. Ainda convivemos mal com esse fundamento da democracia. Na semana passada, participei de um seminário no Instituto Millenium sobre o tema. Tratei dos malefícios da patrulha “politicamente correta”, que é a forma mais perversa de censura porque feita, em tese, em defesa das “minorias exploradas”. Estamos diante do que seria a “Exceção Moral”, vale dizer: todos amamos a liberdade, à direita e à esquerda, dos liberais aos socialistas; em tese, vigoram os artigos 5º e 220º da Constituição. Mas calma, lá! No caso dos “oprimidos”, bem…, no caso dos oprimidos, há a “exceção moral”: para defendê-los,  é aceitável que se  violem esses artigos em nome da reparação histórica — ou sei lá que diabo se queira argumentar.

Esse juízo perturbado já chegou ao Supremo Tribunal Federal. O ministro Ayres Britto, na sessão que decidiu o marco inicial da aplicação da Lei do Ficha Limpa, afirmou com todas as letras: “Os direitos individuais estão sendo usados para esvaziar os direitos coletivos”. É mentira! Está acontecendo o oposto: os direitos coletivos — “cotas”, por exemplo — estão sendo usados para esvaziar os direitos individuais. Todos eram iguais perante a lei. Não são mais. Pois bem. Leiam o que informa a Folha Online. Volto em seguida:
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A Assembléia do Piauí cancelou na manhã de hoje a apresentação da peça “Fique Frio” depois que um de seus atores postou no Facebook comentários que foram considerados ofensivos. A peça estava marcada para acontecer na noite desta sexta-feira no teatro da Assembléia. O cancelamento foi determinado pelo deputado Fábio Novo (PT), presidente em exercício da Assembléia. Na noite de ontem, a ator Marauê Carneiro publicou em seu perfil a frase “Estamos em Teresina, do Piauí, se o mundo tem cu, o cu é aqui”. O comentário foi apagado.
“Tive que cancelar. Pessoas ligaram protestando. No Estado só se comenta isso”, afirmou o deputado. Fábio Novo disse ainda que, se a peça fosse apresentada, seria uma desmoralização do Legislativo. Segundo a assessoria do ator, o comentário foi uma brincadeira inspirada em uma música do humorista Juca Chaves. Carneiro também pediu desculpa pelo ocorrido. “Inclusive foi um próprio piauiense (gente boa e bem engraçado, por sinal) que me contou essa historia num delicioso restaurante da cidade”, afirma o ator em carta.
Para o deputado, a desculpa do ator piorou a sua situação. “Lamento que isso tenha acontecido.” A produção da peça, que tem como ator principal o global Kayky Brito, afirma que vai negociar com a Assembleia o cancelamento do aluguel do teatro. Segundo a produtora, parte dos ingressos já foi vendida. No Facebook, uma comunidade que já conta com mais de 740 pessoas promete fazer uma “ovada” no ator no aeroporto da cidade.
Voltei
Sei pouco sobre o Piauí, confesso, além daqueles índices do IBGE, nada abonadores. A primeira referência, pra mim, é o poeta mais elaborado do século 20: Mário Faustino, um gigante. Nesse quesito,  entendo, nada se iguala ao Piauí. É o primeiro!  A segunda, numa outra faixa, é o letrista Torquato Neto. O fato é que boa parte dos piauienses tem motivos para achar aquele estado um “cu”, tomado o substantivo como metáfora de coisa ruim. Aliás, boa parte dos paulistas tem motivos para dizer o mesmo de São Paulo; boa parte dos cariocas, o mesmo do Rio, assim como os mineiros, de Minas, e, obviamente, os brasileiros, do Brasil!
“Ah, piauiense pode falar mal do Piauí; paulista, de São Paulo, e carioca, do Rio, mas gente de fora tem de ficar quieta!” Por quê? Aliás, há um troço curioso nesses casos: quanto mais adversas são as condições de vida para boa parte da população, mais se açula o espírito bairrista, mais as pessoas se zangam com a crítica, mais defendem o indefensável.
Não, eu não acho que a linguagem empregada pelo tal ator seja a melhor possível, não como expressão, sei lá, de uma crítica orientada segundo os critérios da economia política. Mas era só um cidadão dizendo suas bobagens no Facebook, como fazem milhões de pessoas hoje em dia. É claro que algumas pessoas podem se zangar com isso e também têm o direito de se expressar. No limite, podem tentar organizar um boicote à sua peça. É coisa típica de caipira ressentido, mas vá lá… Proibir, no entanto, como fez o deputado petista, a apresentação do espetáculo? Aí estamos diante de uma manifestação típica de ditaduras.
E aqueles que pretendem promover uma “ovada” contra o ator? Bem, entendo que se trata de uma agressão e, como tal, de um crime. Mas que, se realizada, tende a ser tolerada, quem sabe em nome da “liberdade de expressão”… Se essa gente está brava, deveria é se esforçar para deixar claro que o Piauí não é um “cu” no que se refere, ao menos, aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição.
Eu nem sei quem é esse tal Marauê. Sei que o deputado petista Fábio Novo se comporta como um dinossauro, um censor, um agente da ditadura. A única coisa que caberia a um democrata seria garantir a segurança para a apresentação da peça. O teatro até poderia estar às moscas, como conseqüência da revolta de alguns piauienses. Os indignados poderiam demonizar o ator à vontade no Facebook, demonstrando, se quisessem, que nada há no mundo tão bom quanto Teresina…
Há, sim, uma tentação macarthista no Brasil. Inventamos o macarthismo do bem, o macarthismo da inclusão, o macarthsmo da igualdade, o macarthismo da justiça social, o macarthismo dos oprimidos. Em nome desses valores, se preciso, o Brasil censura, discrimina, sataniza…
O general Figueiredo mal sabia como estava revelando a alma de certos democratas quando indagado sobre o que faria se alguns setores, no país, reagissem mal à abertura democrática. Ele não teve dúvida: “Eu prendo e esfolo”. Muita gente respirou aliviada. Se é assim, então a abertura é pra valer…
Título e Texto: Reinaldo Azevedo
Edição: JP

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