quarta-feira, 23 de março de 2011

Fraquezas e franquezas

Departamentos que se ocupam, em Bruxelas, das crises civis parecem ser dirigidos por incompetentes
Uma das minhas amigas tem fraco sentido de orientação. Quando se perde numa grande cidade, procura um daqueles planos de bairro que dizem, invariavelmente, "você está aqui". Cristina fita então, com espanto, o emaranhado de ruas que fogem em todas as direções, a partir do ponto assinalado. E sente-se ainda mais perdida.
A União Europeia está, no que respeita às convulsões árabes, como a Cristina: olha para os mapas e fica paralisada. Quando se ouve as declarações vindas das capitais, de Bruxelas ou do Parlamento europeu, nota-se a confusão. A sua política externa vive, hoje, de medos. Conto três. O pavor do islamismo. A fobia das migrações incontroladas. O terror face ao preço do petróleo. Há mais. Os responsáveis, ao nível nacional ou comunitário, falam dos acontecimentos com frases ambíguas, que parecem mostrar nostalgia pelo passado recente. É como se tivessem pena de ver partir os ditadores. Gente razoável, como dizia há dias um dos ministros, com quem a União mantinha parcerias, no contexto da Política de Vizinhança. E que eram excelentes clientes: só em 2009, a UE vendeu à Líbia 343 milhões de euros em armamento. E acima de 100 milhões, ao país pobre que é o Iémen. 

Como pode a Europa estar pessimista, quando os povos árabes lutam pela liberdade? É tempo, sim, para uma nova estratégia em relação ao Mediterrâneo. Luís Amado entendeu isso. Acaba de propor à chefe da diplomacia europeia um documento de reflexão, assente em quatro pontos. A Europa deveria contribuir para a normalização das relações entre Israel e os vizinhos, apoiar as transições democráticas, pôr em execução uma espécie de Plano Marshall e reforçar a cooperação política com as instituições regionais - a Liga Árabe e a Organização da Conferência Islâmica, entre outras.  
É uma boa base de partida. Convém, no entanto, não perder de vista algumas verdades. A resolução da questão israelo-palestiniana reveste-se da maior urgência. Os jovens árabes que agora se batem pelos seus direitos podem adotar amanhã a bandeira da libertação palestiniana e virar-se contra Israel e o Ocidente. Tem que se reconhecer que Tony Blair não tem as características necessárias para fazer avançar o Quarteto. Faz falta também nomear um representante especial da UE com garras, mas que as saiba combinar com fineza e habilidade diplomática. Outra verdade: a ineficácia estrutural da União para o Mediterrâneo. Este projeto está morto. Deve agora ser enterrado. O herdeiro será uma política coerente, estratégica, ao nível da UE. Um terceiro ponto: intervenções armadas, vindas da NATO, da EU, ou de qualquer país ocidental, são um erro. Só poderão ter lugar in extremis, por razões humanitárias, e com a autorização inequívoca da ONU.
 Há outras dimensões, matérias de cozinha interna, que requerem ponderação. Primeiro, o serviço de ação externa da Comissão precisa de ganhar um novo tipo de sensibilidade para os assuntos do Mediterrâneo. Ashton rodeou-se de uma equipa de nórdicos, pouco atentos às problemáticas do Sul. Segundo, os departamentos que se ocupam em Bruxelas das crises civis, da resposta humanitária e da análise estratégica parecem ser dirigidos por incompetentes. Têm mostrado uma UE que prima pela ausência, lentidão e descoordenação. Terceiro, há que rever o papel da política externa da União. Não tem, para já, acrescentado valor à diplomacia bilateral de cada Estado-membro. Por último, é importante que se ponha termo à ambiguidade atual. A UE é, ou não, pelos valores da dignidade humana?
Victor Ângelo, revista Visão, nº 940, 10 a 16 de março de 2011

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