domingo, 27 de março de 2011

O vilão, o mau, o bom e o óptimo

O vilão - O dia em que o Governo cessou funções "normais" serviu para os socialistas culparem o PSD pela crise financeira, pela crise económica, pela crise política, pela destruição do Estado "social", pela entrada do FMI e pela perda da soberania pátria. Não os ouvi culparem o PSD pela tuberculose infantil e pelos terramotos no Japão, mas é possível que o tenham feito. Sempre é uma variação da época em que a culpa ia direitinha para a Grécia, para as agências de rating ou para a Alemanha, consoante as enrascadas e a manha.
O estilo, porém, é o mesmo. E o estilo da tropa que hoje manda no PS consiste em elevar a mentira a um ponto que lhe retira qualquer ligação à realidade. O eng. Sócrates e seus discípulos acham-se impunes para dizer o que calha, incluindo acusar o adversário do desastre que eles próprios fabricaram. No fundo, é isto: a penúria que nos espera não se deve a quem a criou ao longo de seis anos, mas a quem impediu os respectivos criadores de prosseguirem o trabalho. Os pirómanos acham-se com a capacidade - e com o direito - de apagar o incêndio.
Num país normal, tamanhos delírios mereceriam a chacota popular e, nos casos rigorosos, a camisa-de-forças. Em Portugal, onde a toleima socialista dispõe sempre de novas oportunidades, merecem receio. As sondagens mostram que os delírios ainda encontram um público empenhado em engoli-los. E se a quantidade de crentes decresceu nos últimos tempos, convém não lançar foguetes: a campanha eleitoral, aliás iniciada antes da demissão do eng. Sócrates, está em curso, e promete uma sordidez inédita.
O eng. Sócrates já mostrou ser capaz de tudo para alimentar a "sofreguidão pelo poder" que imputa a outros. Nas circunstâncias vigentes, será capaz de tudo e de mais alguma coisa. A confirmarem-se as eleições, os próximos meses assistirão ao aumento exponencial das mentiras e das ameaças, além da encenação da conhecida rábula "O eng. Sócrates contra o Mundo". Numa terra com tradição avessa à liberdade, muitos tomam a prepotência por virtude. É por isso que o modo como o primeiro-ministro e o ministro das Finanças abandonaram a meio o debate parlamentar que ditaria a própria queda não assegura que a queda seja definitiva: infelizmente, o desrespeito dessa gente pela democracia não implica o desrespeito da democracia por essa gente.

O mau - Aos eufóricos que comparam o derrube do eng. Sócrates com o de Mubarak, a realidade egípcia já provou que a alternativa a um péssimo governo pode ser um governo ainda pior. O PSD parece decidido a provar que a alternativa pode ser apenas um bocadinho menos má. Ou que nem há alternativa de todo.
Só isso explica que a primeira medida de um PSD sem medidas de Governo seja a sugestão de aumento do IVA, o IVA a que o dr. Passos Coelho recentemente chamava indirecto, imoral, indiscriminado e injusto. O carácter inevitável da austeridade, evidentemente devido ao PS, não justifica a aplicação do tipo de austeridade defendido pelo PS.
Mas talvez nem isso explique que o dr. Passos Coelho chegasse à liderança do seu partido contra o "derrotismo" (leia-se o mero inventário dos factos) de Manuela Ferreira Leite. Ou que se deixasse seduzir pelos elogios do dr. Soares e demais vultos socialistas. Ou que se encolha aterrado sempre que os adversários o acusam de um "liberalismo" que ninguém de bom senso lhe detecta. Ou que decidisse interromper a sucessão de PEC um ou dois Planos depois do recomendável. Ou que oscile diariamente entre o sonho de uma vasta e nebulosa coligação, a tentação da maioria absoluta e, com superior aptidão, o desnorte.
As culpas deste PSD não são aquelas de que o eng. Sócrates hipócrita e pateticamente se queixa: são aquelas que, durante demasiado tempo, o eng. Sócrates agradeceu. E que, descontados os resmungos de fachada, continua a agradecer.
O bom - Deve-se evitar o louvor de políticos profissionais, de resto uma profissão de honorabilidade duvidosa. Mas Paulo Portas reagiu à demissão do eng. Sócrates com concisão e clareza. Eis um resumo do que ele disse, que é um resumo do que de facto ocorreu:
"Pediu hoje a demissão um primeiro-ministro que estava em funções há seis anos e que não estava a prestar um bom serviço ao País. (...) Só se fala em ajuda externa a Portugal porque a dívida pública nos últimos cinco anos duplicou, os juros são proibitivos e isso causou uma nova recessão e um aumento exponencial da injustiça social. (...) Sobre o primeiro-ministro que se demitiu, a democracia existe precisamente para resolver problemas como este. Em toda a Europa, há governos que saem e há governos que entram."
É difícil ser-se mais exacto. E embora o dr. Portas tenha, logo em seguida, caído na demagogia própria da classe e prometido uma campanha eleitoral baratinha, o deslize tolera-se: se um político lúcido é raro, um político perfeito é mito.
O óptimo - Não costumo citar participantes anónimos dos fóruns radiofónicos, mas situações desesperadas pedem remédios desesperados. Uma destas manhãs, ouvi na TSF alguém propor um futuro para Portugal: o FMI ou qualquer entidade estrangeira sem ligações aos nossos partidos entra cá dentro e toma conta disto; impõe a austeridade necessária e, por uma vez, consequente; abole os compadrios; saneia as contas públicas; devolve-nos o país após uns anos para retomarmos o regabofe desde o princípio. Fosse quem fosse a criatura, tratava-se naturalmente de um optimista, embora não do tipo de optimismo que nos tem desgovernado.
Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 27-03-2011

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