quarta-feira, 23 de março de 2011

Relacionamentos: quando sim é não e um não pode ser sim

As relações são mesmo complicadas ou somos nós que as complicamos?


Paulo Farinha
“Põe-te a milhas, deves estar parvo, se pensas que algum dia vou jantar contigo.” Vamos chamar-lhe situação A. Denota um claro desprezo pelo sujeito que tentou uma aproximação e pressupõe que a taxa de sucesso de um possível relacionamento é menor que zero. Analisemos agora a situação B: “Esperei por ti a vida toda, estou mortinha por ir beber café à beira-rio e falar durante horas, estava a ver que nunca mais me convidavas.” Parece bastante óbvio que a noite vai correr bem a alguém, depois deste encontro.

As duas situações são claras. O sujeito do caso A vai pregar para outra freguesia, se tiver amor-próprio, e os sujeitos do caso B está prestes a embarcara numa linda história de amor (ou a meter-se num sarilho, depende). Acontece, porém, que as coisas raramente se passam assim no início de uma relação. E entre uma situação e outra, há um mundo de insinuações, subtilezas, avanços, recuos, pequenos “sins” e confusos “nãos” que nos podem deixar muito baralhados. Na maior parte das vezes é preciso algum esforço para interpretar os sinais. No meio tempo, enquanto tentamos perceber o que realmente se passa, lá vamos deixando a imaginação à solta. E já fantasiados com o casamento, a lua-de-mel, os filhos, as discussões conjugais e as reconciliações que culminam no sexo depois de fazer as pazes. Tudo isto a decorrer alegremente na nossa cabeça, com a mesma pessoa que apenas nos deu um redondo “nim”. Não há nenhuma espécie de código da estrada que nos diga que esta situação é de sentido proibido, naquela somos obrigados a seguir em frente, na outra não podemos fazer inversão de marcha e ali temos via verde até ao infinito. Por isso, contamos apenas com a idade e a experiência para nos ensinarem a lidar com tudo isto. Com o tempo, lá vamos aprendendo a distinguir as ocasiões em que talvez consigamos alguma coisa, daquelas em que está na cara que não vamos ter sorte nenhuma e devemos tirar rapidamente o cavalinho da chuva antes de batermos com os burros na água. Nem sempre acertamos e por vezes até demoramos algumas semanas ou meses (anos, nos casos mais graves) até conseguir ver o filme todo. Mas isso faz parte do encanto da conquista – e do desencanto do coração partido.

Infelizmente, há muita gente que nunca chega a apurar essa difícil e ancestral “capacidade de interpretação de sinais da outra pessoa em caso de engate”. E se alguns de nós conseguem topar a coisa á distância e saber mais ou menos como é que vai acabar, ainda a procissão vai no adro, outros precisam de uma grande ajuda – ou um grande placard a dizer “não vás por aí, não sejas otário”.

Como ainda não desenvolvemos workshops eficazes para isso, o melhor talvez seja socorrermo-nos dos amigos para nos ajudarem a perceber o que está menos claro ou não conseguimos ver. Um bom amigo dir-nos-á que se ela não atende os nossos telefonemas durante três dias e não devolve as chamadas depois de enviarmos um SMS assinado a perguntar se está tudo bem, é porque está na hora de deixarmos de insistir. Um bom amigo dir-nos-á que se ela nos escolhe para desabafar sobre o ex-marido é porque não está a ver mais nada, naquele momento e nos próximos tempos. Um bom amigo dir-nos-á que se ela diz que adora falar connosco mas só nos convida para ir às compras, é porque caminhamos a passos largos para sermos apenas bons amigos. Um bom amigo dir-nos-á que se ela não responde ao e-mail lamecha depois da primeira noite juntos, é porque talvez não esteja interessada numa segunda.

Nesta história de tentar perceber o que a outra pessoa quer de nós há também um terceiro tipo de sujeitos: os que não vêem nem querem ver. São o que mais se aproxima do masoquista crónico, e acham que o tempo acabará por provar que têm razão. E se não provar, o pior que pode acontecer é terem perdido uns anos preciosos da vida. Afinal, o que é isso comparado com a eternidade do “viveram felizes para sempre”?
Texto: Paulo Farinha, revista 'Notícias Magazine', nº 978, 20-02-2011
paulofarinha@gmail.com
Digitação e Edição: JP

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