sábado, 23 de abril de 2011

Acredito que é possível viver uma relação sem enjoar o marido

Não escolhemos por quem nos apaixonamos, mas escolhemos quem amamos. Para quem se casou cedo, o assunto fica arrumado? Nem sempre. Há quem acerte à primeira, há quem acerte à segunda e há quem nunca acerte. E há quem tenha feitio para o casamento e quem não tenha.
Estar casado dá trabalho, requer tempo, investimento, capacidade de adaptação e espírito de sacrifício. O casamento é um contrato que, a ser levado para a frente, deve incluir algum sentido de missão. E, depois, é descomplicar o mais possível, encarar o dia a dia com boa cara, trocar as voltas à rotina, cuidar do outro, ouvi-lo, aturá-lo, aprender a viver com os defeitos que ele trouxe para casa e os traumas que transportou para a relação. É preciso ter endurance, qual peregrino que atravessa o deserto, sem perder o ânimo nem a coragem. Citando a sábia Agustina Bessa-Luís: «Enjoaste o teu marido? Aguenta».
E como é a vida de quem, vivendo solteiro um grande amor, sonha com uma vida a dois? Também pode ser uma travessia no deserto, se o outro não sabe bem o que quer ou quer mas não pode, ou mora longe, ou a vida não deixa. Neste caso, o melhor é esperar sem esperar, deixar correr e desejar o melhor para nós e para o mundo. Neste caso, só atravessa o deserto quem quer, quem acredita que do outro lado está mesmo a Terra Prometida, que não pode ser confundida com os oásis que vamos encontrando pelo caminho nem com as miragens que o nosso coração fabrica quando o cansaço nos tolda a lucidez.

Karen Blixen, autora do romance autobiográfico Out of Africa, escreveu que quando Deus nos quer castigar ouve as nossas preces. O livro conta as aventuras da baronesa Karen von Blixen-Finecke, uma mulher rica e independente que vive um casamento falhado seguido de uma relação intensa e profunda com Denys Finch Hatton, um caçador desprendido que acredita mais na sabedoria do povo masai do que nos prazeres do conforto doméstico. Karen deseja que Denys assente arraiais, o que nunca acontece. O estereótipo de Denys é o do homem livre e indomável, o Che Guevara que prefere morrer a cortar a barba, e Karen acaba por perceber que, para ele, o amor não é o casamento, casa e pucarinho, mas a vivência intensa e séria de duas pessoas que se entregam totalmente quando estão juntas.
É verdade que a rotina corrói as relações e que a proximidade muitas vezes afasta as pessoas, mas mesmo assim acredito que um casamento a sério, fundado numa relação séria, feita de entrega e de sinceridade, pode juntar o melhor dos dois mundos. Eu acredito que é possível viver uma relação sem enjoar o marido. E acredito que, às vezes, é mesmo preciso atravessar o deserto para uma pessoa dar valor ao que tem ou ao que pode vir a ter. «Que difícil é a vida dos homens, eles não têm asas para voar por cima das coisa más», disse a Fada Oriana quando a Rainha das Fadas lhe tirou as asas.
Afinal, tudo é difícil: atravessar, desistir de atravessar, alcançar, lutar, construir, aguentar, mudar ou permanecer. A única tarefa fácil é sonhar.
Margarida Rebelo Pinto, SOL, 15-04-2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-