terça-feira, 24 de maio de 2011

O que nos ensina a polêmica do MEC

José Godoy
A polêmica sobre “Por uma vida melhor” – livro adotado pelo MEC, com exemplos que fogem à norma culta –, monopolizou o noticiário da última semana. Depois de extensa cobertura da imprensa, as explicações do ministério, e as distintas versões de gramáticos e linguistas, pode-se entender, com um pouco mais de clareza, o quebra-cabeça que dá forma ao complexo debate cultural no país.
Em pauta o desejo legítimo de reduzir a considerável carga de preconceitos que associam língua e posição social. A sociolinguística vem se dedicando com afinco a essa tarefa, estabelecendo um novo vocabulário para tratar dessas questões. Substituem-se assim conceitos como certo ou errado, por termos matizados como adequado/inadequado.
Essa operação que, num primeiro momento se concentrou no campo acadêmico, vem nos últimos tempos vazando para a sociedade, como discurso didático, chancelado pelo Ministério da Educação. Assim, os exemplos seguidamente explorados na semana passada, sem grande esforço são e continuaram sendo encontrados em obras chanceladas pelo MEC. Basicamente por atender requisitos que fazem parte de seus editais.
É o que acaba escapando a polêmicas como essa. O objeto que movimenta o debate (o livro em questão) é efeito, não causa. Para chegar às questões centrais será preciso ampliar a percepção para o espectro político e ideológico dessas decisões. Parece óbvio que a consideração de elementos da fala com construções gramaticais equivocadas, numa obra distribuída pelo governo, é uma sinalização de uma ação afirmativa no sentido de atrair para o ambiente acadêmico, gente normalmente excluída desse espaço. E um modo de atenuar o choque entre seu repertório linguístico e aquele utilizado como norma.
Não será surpresa o aumento de embates como os da última semana, ao longo dos próximos anos. A educação é o maior desafio do país para as próximas décadas. Há dívidas contraídas pelo Estado e pela elite nacional que por décadas deixaram de cumprir sua missão. Há gargalos imensos, e um exército que foi ejetado do sistema educacional, que precisa pelas imensas demandas que o país apresenta, de qualificação. O modelo que irá orientar nossos próximos passos é o que se debate, disfarçado de assunto gramatical.

José Godoy é escritor e editor. Mestre em teoria literária pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), colabora com diversos veículos, como a revista "Legado", da qual é colunista, e os jornais "Valor Econômico" e "O Globo". Desde 2006, apresenta o programa "Fim de Expediente", junto com Dan Stulbach e Luiz Gustavo Medina. O blog do programa está no portal G1.

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