segunda-feira, 11 de julho de 2011

A escritora alemã Helene Hegemann copiou de blogs e outras fontes da internet

A escritora alemã Helene Hegemann, premiada por seu romance de estreia aos 17 anos. Acusada de plágio, ela diz que faz “mixagem” literária.


Danilo Venticinque
Conterrânea de Günter Grass e Thomas Mann, vencedores do Nobel de Literatura, a adolescente Helene Hegemann não precisou de tempo nem de originalidade para fazer barulho no mundo das letras alemãs. Com seu romance de estreia, Axolotle Atropelado (Intrínseca, 208 páginas, R$ 39,90), que narra a vida de uma adolescente em uma Berlim sombria, repleta de sexo e drogas, a autora de 17 anos foi indicada ao prêmio principal dos festivais literários de Colônia e Leipzig. O livro vendeu mais de 100 mil cópias, foi traduzido para 14 idiomas e garantiu o lugar de Helene entre as principais revelações da literatura contemporânea no país. Seria uma história irretocável de garota prodígio, não fosse a revelação de um segredo embaraçoso: dezenas de trechos do livro foram copiados diretamente de blogs e outras fontes da internet.

O que faz de Helene um fenômeno literário em vez de um caso clássico de plágio é a explicação dada pela autora após as primeiras acusações de cópia, feitas por um blogueiro anônimo que reconheceu trechos de seus posts no romance. No início, Helene contra-atacou e disse que as queixas eram por “inveja”. Depois, decidiu assumir a reprodução de textos alheios como parte de seu estilo e afirmou que fazia “mixagem” literária. “Não entendo por que tanto barulho em torno disso”, disse a escritora, em entrevista à revista alemã Der Spiegel. Surpreendentemente, a crítica alemã, conhecida por seu rigor com escritores do país, comprou a explicação da autora. O jornalista Volker Weidermann, jurado de um dos prêmios, afirmou que o romance não era “completamente limpo”, mas que a cópia fazia parte do conceito do livro. A editora, em vez de adotar o tratamento costumeiro em casos comprovados de plágio (retirar os livros das prateleiras e relegar o autor ao ostracismo), limitou-se a lançar uma nova edição do romance, com uma discreta lista de referências ao final do texto – e continuou a vender (bem) o livro.

O tratamento dado ao caso deve-se, em parte, aos méritos da autora. Axolotle atropelado mistura a linguagem ágil da internet e os diálogos breves a um estilo literário marcante, com influências que vão da literatura beat de Jack Kerouac a obras recentes como Fucking Berlin, de Sonia Rossi, uma imigrante italiana que trabalhou como prostituta em Berlim para pagar sua faculdade. O livro também tem aspectos autobiográficos: assim como a personagem principal de seu romance, Helene também se mudou para Berlim após a morte da mãe, aos 13 anos, e acostumou-se a trocar a escola pela vida noturna da cidade. Se as palavras do livro nem sempre são da autora, as experiências que inspiraram o enredo certamente são. Seus méritos literários precoces também podem ser confirmados por trabalhos anteriores: aos 15 anos, Helene escreveu uma peça de teatro e a adaptou para ser veiculada no rádio. Aos 16, escreveu e dirigiu seu primeiro filme. Seu pai, Carl Hegemann, é um crítico e dramaturgo conhecido na cena literária local.

A principal justificativa para o sucesso (e a impunidade) de Axolotle atropelado, porém, é um movimento gradual da crítica e do mercado para aceitar a mixagem como uma forma válida de literatura – algo impensável há cinco anos. Em 2006, a estudante de Harvard Kaavya Viswanathan, de 19 anos, teve de romper um contrato com a tradicional editora Little Brown e viu seu livro de estreia How Opal Mehta got kissed, got wild and got a life ser tirado das prateleiras por misturar trechos e cenas de outros romances juvenis. Entre o caso de Kaavya e o de Helene, no entanto, as livrarias foram invadidas por uma série de mashups literários: livros que misturam trechos de romances clássicos a histórias originais para produzir uma nova obra, a exemplo do infame Orgulho e preconceito e zumbis.

A cópia também se manifestou na alta literatura: Michel Houellebecq, um dos escritores franceses mais incensados da atualidade, usou diversos trechos da Wikipédia francesa em seu romance O mapa e o território, de 2010. Depois de descoberto, disse que a colagem de textos enciclopédicos e documentais fazia parte de seu estilo literário. Colou. O fenômeno foi reconhecido recentemente pelo crítico de arte francês Nicolas Bourriard. No ensaio Post-production, ele afirma que, desde os anos 1990, artistas têm se dedicado a reproduzir e reapresentar trabalhos anteriores, flexibilizando os conceitos de autoria e originalidade. A rigor, a tendência vem das salas de aula.

Um livro da americana Susan Blum – My word: plagiarism and college culture (ou Minha palavra: plagiarismo e cultura universitária) – descreve como os estudantes americanos já não consideram errado usar trechos de outras pessoas em seus trabalhos. Estão criando, na prática, um novo conceito de originalidade. Helene aplica isso à literatura. “Não acho que estou roubando, porque coloquei todo o material em um contexto diferente, único”, diz. “O livro foi escrito para representar meu tempo e, por isso, rejeita o excesso de direitos autorais em favor do direito de copiar e transformar.” A julgar pelo argumento de Helene, talvez o maior pecado de Kaavya tenha sido a hesitação em admitir a cópia. Se a tivesse assumido como estilo, como Helene e Houellebecq, poderia ser saudada como pioneira em vez de se aposentar precocemente da carreira literária.
Imagem e Texto: Danilo Venticinque, revista Época, nº 686, 09-07-2011

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