domingo, 17 de julho de 2011

O caso do homem que se safou por não ter fôlego para soprar no bafômetro


Fernando José Custódio foi apanhado a conduzir aos esses. Estaria bêbado? Não se sabe, porque, segundo os agentes, desobedeceu e não soprou o suficiente no balão. Seria batoteiro? Ou seria asmático?
Foto: jornal "i"
Um homem sem força para soprar pode ter problemas. Ou atenuantes. Às vezes um simples advérbio de modo pode fazer a diferença, pelo menos numa sala de audiências.
"Estaria o arguido verdadeiramente embriagado, ou apenas aparentemente embriagado?", questiona o defensor oficioso, de pé, depois de apresentar as "saudações" aos presentes.
Do arguido não ouviremos uma palavra. Nem conheceremos a sua cara, ou a sua sombra. Apenas um nome: Fernando José Custódio. Sobre ele falará Amílcar, o agente da PSP que jura por sua honra só o conhecer "de uma noite". O arguido não apareceu, nem justificou a falta. Mesmo assim será julgado, na sua ausência.
Os agentes seguiam no carro da PSP na Avenida dos Combatentes, em Lisboa, quando avistaram uma viatura a andar aos esses. Fernando Custódio, o condutor, só viria a parar, por ordem dos agentes, quilómetros à frente. Interpelado para fazer o teste do álcool, fingiu-se prestável. Mas depois, segundo o agente Amílcar, começou a fazer batota, pois nem as bochechas enchia para soprar.

"Ele fazia que ia assoprando, mas parava o sopro."
"Parava como?", questiona a juíza.
"Não soprava o sopro suficiente."
"Ele alguma vez disse que não conseguia soprar?"
O agente exemplifica com uma onomatopeia difícil de reproduzir:
"Ele só fazia ffffeeeeee..."
Imagine uma criança sem força para encher um balão, o ar a ir-se embora e o balão a desmaiar. Imagine esse som, é mais ou menos isso que o agente Amílcar insiste em copiar para exemplificar as manhas do réu ausente.
"Era só fffeeee e parava de soprar."
"Mas ele fazia isso convictamente?", interroga o advogado de defesa. "Não seria asmático?"
Questão pertinente: uma crise de asma retiraria a força a um homem para soprar no balão. É sempre um bom argumento para invocar. É como dizer que alguém é louco ou tem uma psicose qualquer: sem exames médicos é impossível de comprovar.
"Estaria mesmo embriagado? Os testes foram insuficientes porque não houve uma colaboração activa ou havia alguma impossibilidade física?", insiste o advogado, pedindo que, perante a dúvida, se absolva o arguido. Chega a ser comovente ver um oficioso defender com tamanha dedicação um réu que nem sequer pôs um pé em tribunal.
Só sobra Amílcar para responder, mas a avaliar pelo extenso interrogatório ninguém parece acreditar na força de autoridade, que ali está só na condição de testemunha.
"Disseram-lhe que se ele não soprasse estaria a incorrer num crime de desobediência?", pergunta a juíza.
"Sim, mas ele respondia que nós é que devíamos soprar. Até nos disse... posso dizer exactamente o que nos disse?"
Silêncio.
"Disse: ‘Vocês são uma merda. Uma pessoa vem do trabalho, bebeu uns canecos e vocês vêm-nos lixar a vida.’"
"E ofereceram-lhe a possibilidade de fazer contraprova no hospital?"

"Ele recusou, não fazia nada nem deixava fazer, nem quis assinar o auto de detenção. Só sabemos o nome porque vimos os documentos. Para o final já estava melhorzinho, mas também tivemos mais de duas horas com o homem."
O procurador recupera a importância de um advérbio de modo.
O arguido estava aparentemente embriagado, não sabemos se estava verdadeiramente embriagado, porque não quis fazer o teste. Não se conhecem antecedentes ao arguido, por isso pede-se pena de multa."
Fernando Custódio é acusado do crime de desobediência, não do de condução com excesso de álcool, porque isso o alcoolímetro não conseguiu provar. Recebe uma pena de 60 dias de multa: terá de pagar somente 360 euros. E diz-se somente porque aqui o advérbio também importa. Antes dele, outro homem apanhado a conduzir com excesso de álcool - que obedeceu e apareceu em tribunal - foi condenado a 600 euros de multa e proibição de conduzir durante dez meses. Ser desobediente compensa. Ter um advogado que se lembra de invocar uma doença respiratória também.
Título e Texto: Sílvia Caneco, jornal “i”, 17-07-2011

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