No capitalismo não são as
pessoas que são socializadas, mas sim as coisas mortas: o dinheiro e as
mercadorias. Daí que a percepção do mundo se restringe a um ponto; ao indivíduo
singular, à empresa individual, ao Estado individual. Igualmente atomizada é a
consciência do tempo. O que conta é apenas a actualidade. Tudo o resto são
águas passadas ou o dilúvio depois de nós. Não se pensa na época, mas no
horizonte de tempo do "Telejornal". É verdade que se sabe de algum
modo que há um contexto global complexo, especialmente económico. Mas, quanto
mais se fala de "redes”, mais isolados os factos surgem. Globalização,
tudo bem, mas isso não é um tema de ontem?
Desde que os Estados tiveram
de atar os seus pacotes de resgate, em toda a parte se gosta de usar novamente
lentes nacionais. Que a falência do Lehman Brothers (o que foi isso?) tenha
provocado uma reacção em cadeia, que revelou por um momento a rede mundial de
créditos malparados, isso é considerado um excesso de quaisquer mercados
financeiros sem pátria. Gosta-se de pensar num mundo de economias altamente
patrióticas sob o guarda-chuva protector do governo e dentro das quatro paredes
caseiras. Na realidade, os mesmos fluxos transnacionais de mercadorias e
dinheiro, os mesmos desequilíbrios globais e circuitos de deficit continuam a
ser subsidiados tal como antes, só que agora pelo crédito público, em vez de
pelas bolhas financeiras comerciais. E mesmo os fundos públicos também são tudo
menos nacionais.
O capitalismo é considerado
como indestrutível e a globalização qualitativamente nova é de preferência
recalcada, pelo que a questão que se coloca parece ser apenas quem sobe ou
desce entre as grandes empresas, ou quem são os vencedores e os perdedores nacionais.
A China vai substituir os EUA como potência mundial económica e política? Esta
"grande narrativa" dos média é completamente cega à realidade, porque
já não vivemos num século de impérios nacionais independentes. Os excedentes de
exportação da China para com os Estados Unidos, novamente a aumentar de mês
para mês, são financiados pela inundação de dinheiro da Reserva Federal
americana. Inversamente, os chineses alimentam o crescimento interno promovido
pelo Estado a partir das suas astronómicas reservas cambiais principalmente em
dólares. A interdependência é tão grande que o tropeço de um faz o outro ir
também ao chão. Nem individualmente nem em conjunto eles conseguem controlar a
sua relação inconsistente.
Na Europa procede-se como se
as crises de dívida da Grécia e dos outros candidatos a vacilar fossem
problemas domésticos que pudessem ser dominados pelo esforço de poupança
nacional. De facto, os deficits na UE são o reverso dos excedentes de
exportação da Alemanha. Se a economia alemã tivesse de se concentrar no mercado
interno entraria imediatamente em colapso. Até agora as medidas de austeridade
draconianas no sul e no leste da Europa, como de resto também na Grã-Bretanha,
em grande parte não passaram de palavras. Se forem plenamente realizadas é de
esperar uma recessão europeia com implicações globais. E se a Grécia falir,
precisamente por poupar até estourar, as pessoas vão-se admirar como os títulos
da dívida pública grega estão armazenados por todo o lado. O caso não é muito
diferente dos certificados do Lehman Brothers e o mesmo se diga dos créditos
públicos mal parados por todo o lado. O capital é internacional em todas as
suas formas. Se os protestos contra os programas anti-sociais de gestão da
crise se limitarem a invocar tacanhamente a independência nacional eles só
podem rodar em falso.
Título e Texto: Robert Kurz, original POSTNATIONALE KETTENREAKTION. Publicado em “Neues Deutschland”, 27-06-2011
Robert Kurz: Nascido em 1943, estudou Filosofia, História e Pedagogia.
Vive em Nurenberg como publicista autónomo, autor e jornalista. É co-fundador e
redator da revista teórica EXIT! - Kritik und Krise der
Warengesellschaft (EXIT! - Critica e Crise da Sociedade da Mercadoria). A
área dos seus trabalhos abrange a teoria da crise e da modernização, a análise
crítica do sistema mundial capitalista, a crítica do iluminismo e a relação
entre cultura e economia. Publica regularmente ensaios em jornais e revistas na
Alemanha, Áustria, Suiça e Brasil. O seu livro O Calapso da Modernização
(1991), também editado no Brasil, tal como O Retorno de Potemkine (1994),
Os Últimos Combates (1998) e Blutige Vernunft (Razão Sangrenta) em 2004,
provocou grande discussão e não apenas na Alemanha. Publicou também, entre
outros, Schwarzbuch Kapitalismus (O Livro Negro do Capitalismo) em 1999,
Marx Lesen (Ler Marx) em 2000, Weltordnungskrieg (A Guerra de
Ordenamento Mundial) em 2002, Die Antideutsche Ideologie (A Ideologia
Anti-alemã) em 2003 e Das Weltkapital (O Capital Mundial) em 2005, ainda
não editados em português.
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