quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Sonhos que o Aerus e a União Federal brasileira me tiraram

Jorge Curvello

Jorge Curvello, foto: Arquivo pessoal
Confesso que enquanto adolescente nunca pensei no futuro, vivi o presente intensamente com tudo o que ele me dava, alegria de dançar, comer o que gostava, conversar, fazer novas amizades, sair para farras noturnas, namorar, transar e muito, trabalhar apenas para o sustento e gozar da vida livre sem lenço e sem documento. Não vivia preso a grandes ambições, não me imaginava no amanhã sendo prejudicado, massacrado por crises, pressionado por leis ou impossibilitado por ações de terceiros, involuntárias à minha permissão. Fui jovem como todo jovem, cabeça de vento, solto na vida e muito, mas muito feliz.

Mas o tempo correu e a maturidade começando me apontou e eu, se vivo ainda, precisava garantir no futuro pelo menos o que gostava de ter, fazer e viver e então, ao me profissionalizar e conseguir a realização, comecei a cuidar desse amanhã. Foram longos anos de poupanças, cuidados, guardas, aprendizado do melhor, atenção a conselhos dos mais velhos, enfim, dando para receber e esse dando significava desconto de meu salário, polpudo na época, que garantiria a meu ver uma aposentadoria satisfatória e digna de eu continuar sendo quem era. E para isso eu precisava de uma aposentadoria complementar visto que a do Governo seria, como tinha provas vivas, pequena demais.

Assinei uma folha e vi de ali para diante meu salário reduzido por vezes quase à metade, enfiando dinheiro em cofre alheio confiante de um dia ele retornar redobrado, mas não foi isso que aconteceu. Vivendo em um país de ladrões disfarçados e salvaguardados por lei, ao me aposentar, ficar velho e incapaz de retornar à luta, necessitado até por justiça e mérito de obter o que pretendi, ao deixar de trabalhar me vi de uma hora para outra retornado ao meu começo, ou pior, porque agora a vida já não era a de antes quando mesmo se pobre, podiamos ser alguém ou ter o básico.

E lá se foram por água abaixo o que sonhei para esse futuro, uma vida tranqüila, uma vida saudável, viagens de repouso, aquisição de supérfluos para meu conforto, dinheiro no bolso para poder pagar, ajudar, comprar e comer do bom e do melhor, isso entre outros pequenos desejos surgidos com a terceira idade. Dos sonhos ficaram apenas a recordação que maltrata, que faz sofrer a cada acordar, sentir na pele o impossível e não ter mais tempo para começar de novo. Da realidade dos sonhos restou uma casa hipotecada em regime de justiça que se estende sem final e talvez por escritura jamais venha a ser minha enquanto vivo, ficou a possibilidade de cuidar da saúde sem plano, freqüentando morosos consultórios gratuitos do mesmo Governo que antes me prometeu felicidade, vendo escoar dia a dia minha vida e minha sorte, não tendo por algumas vezes e muitas, dinheiro dentro de uma carteira que cola suas partes por não ter nada dentro, ficou a vergonha do pedir emprestado lutando para pagar, a vergonha de comprar fiado lutando para não ser roubado e poder cumprir data combinada de pagamento, a saudade do tempo em que fui feliz, a revolta por haver desperdiçado melhores anos em troca da poupança do futuro que me roubaram, não me restou dos sonhos nada além da cruel lembrança que castiga porque acusa de eu ter sido otário, um credor do impossível quando somos governados por carrascos ladrões.

O Aerus, o órgão de previdência complementar que confiei se disse lesado e parou de nos pagar, a Varig a empresa para a qual trabalhei e me meteu nessa enrascada foi sufocada pelo Governo e por seus diretores, apagou, morreu, deixou de valer a palavra com o Aerus e esse se vingou justo em nós, seus fundadores. E a União federal dita fiscal e obrigatória desse tipo de aposentadoria, se diz inocente e impossibilitada de nos assumir, de me assumir, de me trazer de volta os sonhos que morrem antes de mim me maltratando por irrealizações. Um triângulo do demônio armado, um triângulo de infelicidade existida, um triângulo de maldade planejado, Aerus, Varig, Governo, símbolos de antes orgulho do meu país.

Para não sucumbir no desespero como tantos que até já se foram por desgosto ou vergonha, luto e me faço de forte, tento esquecer no pouco que tenho fazendo ser muito, tento ignorar a vida dos realizados e justiçados aceitando esta, a de apenas estar vivo e respirando, com boca ainda para sorrir. E como eu caminham milhões de brasileiros, e como eu caminham todos os que trabalhamos para a Varig porque mesmo os que ainda podem continuar, já não têm mais a confiança de sonhar. E me maldigo pelo dia em que acreditei que guardando teria futuro melhor porque talvez usando o que tinha, hoje estaria cansado e satisfeito por ter feito tudo sem me podar, não teria a mágoa de ver sonhos irrealizados porque estes que hoje choro nunca haveriam de ser sonhados. A tristeza de uma terceira idade não está bem onde não se pode mais gozar, mas sim no que se acreditou sem poder, não por culpa pessoal, se realizar. Não tenho mais orgulho de nada, nem de ser ou ter sido quem fui ou pela vida afora, um brasileiro.
Título, Imagem e Texto: Jorge Curvello, do blogue “Brasil de Insensato Coração

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