sábado, 22 de outubro de 2011

A velha técnica escatológica do debate


Rivadávia Rosa
Verifica-se na rede quando se intenta um debate político - uma verdadeira verborragia própria de um hospício (de antigamente, pois atualmente não há mais internamento), expressa em linguagem grosseira, vulgar, insultuosa, ofensiva, injuriosa, caluniosa e até difamatória, além dos chavões esquerdizóides ou regressão ideológica vinculada ao infantilismo utópico do século passado como - direita preconceituosa e subserviente, direita retrógada, paranóia anti-esquerda, idiota, imbecil, reacionário de merda, assim como os jargões decorrentes do vitimismo - 'imperialismo', 'capitalismo', 'ianques', 'neoliberalismo', globalização... Basta observar os ‘juízos’ e as ‘sentenças’ apologéticas proferidas sobre os debatedores que os contrariem, especialmente os ‘qualificativos’.
Arthur Schopenhauer
O filósofo Arthur Schopenhauer no seu tempo (1788-1860) aprimorou a técnica escatológica demonstrativa desse déficit moral, elevada a categoria de estratagema – mediante truques desonestos utilizados por pessoas de mau caráter para levar vantagem sobre os outros...
No livro SCHOPENHAUER A arte de insultar (organização e ensaio – FRANCO VOLPI - São Paulo: Martins Fontes, 2005) – passagens extraídas dos escritos póstumos de Schopenhauer – revelam os estratagemas para se ‘ter razão sempre’. Schopenhauer reconhecia, no entanto que toda técnica argumentativa tem limites: se discutirmos com um adversário mais inteligente e mais hábil do que nós, não haverá astúcia que resolva; no plano da dialética, não há escapatória, acabaremos fatalmente sendo derrotados. Isso não significa, todavia, que a partida esteja irremediavelmente perdida. De fato, resta um derradeiro, pérfido expediente, que aconselha:
“Quando perceber que o adversário é superior e que você acabará por perder a razão, torne-se ofensivo, ultrajante, grosseiro, isto é, passe do objeto da contestação (dado que a partida está perdida) ao contendor e ataque de algum modo sua pessoa.”
Menciona que se trata de um expediente conhecido e praticado desde os tempos antigos: “De fato, como é que poderia não ser conhecido dos sofistas o meio com que um pode pôr-se em pé de igualdade com outro e com que é possível equilibrar momentaneamente até mesmo a maior desigualdade intelectual? Essa meio é a ofensa. Com efeito, a natureza baixa sente uma tendência totalmente instintiva para ela, mal adverte uma superioridade espiritual”.

Na antiga Grécia - ARISTÓTELESchamou de sofística – “a sabedoria (sapientia) aparente, mas não real” (El. Soph., 1, 165 a 21), e que passou a indicar a habilidade de aduzir argumentos capciosos e enganosos.
Assim - os sofistas – que se movimentam no terreno das aparências dos fenômenos – e quando argumentam o fazem com recursos a falácias, tentando enganar de forma arbitrária, com simulacros da realidade, agressão descarada aos princípios racionais e morais, e, apoio no duplo discurso – em que “proferem discursos opostos sobre as mesmas coisas e o mesmo discurso sobre coisas que são e não são ao mesmo tempo, pondo em causa o próprio princípio de não contradição, e procuram iludir os seus interlocutores através de todo o tipo de expedientes.” (ARISTÓTELES – in Metafísica, livro IV - Refutações Sofísticas. p. 16).
Schopenhauer – porém mestre na arte do insulto – nos tempos modernos - oferece um alfabeto de insolências e aconselha com sugestões práticas:
1) por exemplo, fazer-se de desentendido e ignorar os insultos do adversário; uma série de anedotas clássicas, por ele recolhidas com tal fim, mostram como os homens sábios sabem manter a impassibilidade diante das ofensas e dos insultos mais irritantes.
2) ou, melhor ainda, como ARISTÓTELES já sugeria nas Refutações Sofísticas - evitar discutir com o primeiro que aparecer ou com gente que fala só por falar, à maneira dos sofistas, portanto escolher com clarividência os interlocutores com os quais entabular seriamente controvérsias e discussões.
No entanto, pode acontecer que mesmo com todas as cautelas, muitas vezes somos levados ao insulto. Em certas situações, é impossível recuar porque – explica SCHOPENHAUER – quem insulta nos faz perder a honra, mesmo se for o “mais indigno canalha, o mais estúpido animal, um vagabundo, um jogador, um facadista”.
Portanto, “uma só grosseria supera qualquer argumentação e faz sombra a qualquer espiritualidade”. Em outras palavras: “A vileza é uma qualidade que, nas questões de honra, supera e suplanta qualquer outra. Se, por exemplo, durante uma discussão ou um colóquio, outro demonstra um conhecimento de causa mais exato, um amor mais rigoroso à verdade e um juízo mais sadio que nós, ou uma superioridade intelectual qualquer que nos faça sombra, podemos eliminar essa e qualquer outra superioridade, para não dizer nossa própria inferioridade assim posta a nu, e por nossa vez sermos superiores, tornando-nos vis: uma vileza prevalece e leva a melhor sobre qualquer argumento e, a não que nosso adversário não replique com uma vileza ainda maior... somos nós os vencedores, a honra fica conosco, e a verdade, o conhecimento, o espírito e o engenho devem cair fora, derrotados e encurralados pela vileza.
Schopenhauer ainda enfatiza - “toda vileza é, na realidade, um apelo à animalidade, já que declara incompetente a contenda das forças intelectuais ou do direito moral, assim como a possibilidade de decidi-la mediante argumentação, e põe em seu lugar a luta das forças físicas. Rebaixar-se a tal nível significa, em outras palavras, recorrer ao direito do mais forte.”
O insulto é um meio vil e vulgar – e o próprio Schopenhauer o rejeitava do alto do seu espírito e sua inteligência, em rebaixar-se a esse nível. As razões de sua rejeição resultam da lúcida definição que ele dá desse argumento:
“A injúria, o simples insulto, é uma calúnia sumária, sem que sejam fornecidos seus motivos. Sem dúvida nenhuma, quem insulta revela com isso, claramente, não poder fazer valer contra o outro nada de real ou verdadeiro. Caso contrário, ele apresentaria tal argumento como premissa e faria tranqüilamente os ouvintes tirarem suas conclusões. Já com a injúria, ele fornece a conclusão e fica devendo as premissas: quer dar a entender de tal modo que isso só acontece por amor à brevidade.”
Na atualidade – agregou-se a essa técnica a regra máxima leninista do debate político - que não é mais persuadir o adversário, nem apontar seus erros, mas destruí-lo (“Acuse os outros de fazer o que você está fazendo” - Wladmir Illich Ulianov Lênin - 1870-1924).
O certo é que insultar o debatedor, ‘adversário’, oponente (considerado até ‘inimigo’) ou quem defende uma idéia diferente, ignorando os argumentos contrários e fazendo-se de desentendido - não é uma demonstração de caráter, mas limitações morais e intelectuais, resultado da incapacidade de convivência no mundo civilizado. Isso é claro, é ‘justificado/fundamentado’ pelo mestre da barbárie, como terrorismo intelectual – que consiste num conjunto de mecanismos jornalísticos e publicitários inventado por Lênin para intimidar e reduzir ao silêncio os inimigos do comunismo.
Mas ainda temos uma saída para os casos extremos: ARISTÓTELES afirmava que a “indignação é uma virtude, constituindo um justo meio entre a indiferença e a raiva diante de um ultraje sofrido ou de uma injustiça recebida (Ética a Nicômaco, IV, 11), ou seja, nada melhor do que um bom insulto para exprimir indignação.
Título e Texto: Rivadávia Rosa

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