quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

180 dias. O estranho estado de graça de Passos Coelho


Liliana Valente
Depois das medidas urgentes, Passos promete mudar a estrutura do país


2012 vai ser o ano da verdade para o governo de Passos Coelho. Depois de seis meses de um estranho estado de graça, em que o governo se apoiou na resposta à troika, na tentativa de mostrar que Portugal não é a Grécia, a coligação governamental tem pela frente um difícil jogo de cintura sem sucesso garantido. No cenário interno tem de gerir com pinças a relação com o PS de António José Seguro, com o Presidente da República e com o parceiro de coligação e esvaziar a contestação social. No plano externo, os riscos do fim do euro e o previsível abrandamento do crescimento mundial ameaçam os objectivos para os próximos anos.
Pode isto significar mais austeridade? O primeiro-ministro não descartou a possibilidade de mais medidas no próximo ano, numa entrevista no último mês – ontem o ministro das Finanças negou essa possibilidade (ver pág. 21) –, mas para já mantém o discurso de que as reformas estruturais servem as intenções do executivo e Portugal até vai começar a crescer em 2013.
Nos primeiros seis meses de governação, a equipa de Passos centrou as forças no cumprimento do Memorando da troika. Passou pelo teste de duas avaliações do FMI, do BCE e da Comissão Europeia, que, apesar de darem sinal verde ao desbloqueamento das tranches de ajuda, lhe valeram o reparo de que as reformas estruturais prometidas para fazer frente à recessão não podem tardar. E é nelas que os ministros se concentraram de imediato.

A receita do executivo – reforma do mercado laboral, reforma da justiça, principalmente na resolução de pendências em tribunal, e ainda da lei das rendas – podem não ser suficientes, até porque lá fora a cor do cenário mantém-se cinzenta. O risco de a moeda única ruir tem ganho contornos reais e as consequências da forte instabilidade europeia ameaçam estender-se a Espanha ou mesmo a França e à Alemanha e é precisamente esta situação internacional que mais assusta o primeiro-ministro, tornando- -se o argumento (quase) único para o eventual insucesso a curto prazo do mandato do executivo. Logo depois da apresentação do Orçamento do Estado – e no dia em que a Grécia ameaçou com um referendo sobre o segundo pacote de ajuda externa –, Passos lembrava que já não dependemos só de nós para cumprir as metas: “[A probabilidade de contágio] é evidente. Não tenho assegurado o financiamento da economia portuguesa”, disse à entrada de um Conselho Nacional do PSD. As previsões mundiais escureceram ainda mais. Com a resposta da Europa à crise da zona euro a tardar, e com a possibilidade de uma recessão mundial, as previsões de um necessário crescimento da economia portuguesa ficam cada vez mais tímidas.

NO FIO DO ARAME Passos Coelho foi o primeiro a falar do receio de contestação social, logo no fim do Verão, na rentrée política do PSD. E a contestação subiu de tom quando anunciou o corte dos subsídios de Natal e de férias para funcionários públicos e pensionistas durante o período de vigência da troika, a marca inapagável deste governo de coligação. A greve geral do final de Novembro e a não cedência do executivo em sede de Concertação Social (com a redução das indemnizações compensatórias, o aumento da meia hora do horário diário de trabalho e as alterações ao subsídio de desemprego) produziram um endurecimento do discurso dos sindicatos – com vários sindicalistas a apelarem a uma revolta dos portugueses contra as medidas de austeridade do Orçamento do Estado, bem como alguns socialistas – como Mário Soares – a subscreverem um manifesto, em véspera de greve geral, a incentivar no mesmo sentido.
É na perspectiva de conter a bomba social que o governo tem gerido com pinças a relação necessária com o PS, para assim evitar a força dos socialistas na rua, engrossando a contestação social. O executivo cedeu ao alterar os tectos a partir dos quais vai cortar os subsídios de Natal e de férias a funcionários públicos e pensionistas. Uma meia cedência à liderança de António José Seguro, a quem Passos teceu elogios. Afinal Seguro tem um perfil de líder da oposição que se tem revelado do agrado do PSD.
Mas há uma outra relação que importa equilibrar, com o Presidente da República. Nem por isso têm aparecido cedências ao que foi incomodando Belém. A distância na relação com Belém aumenta todos os dias. Cavaco já mostrou publicamente não seguir a mesma linha que o primeiro-ministro. Começou por criticar a falta de “equidade” nos cortes dos subsídios, mas os reparos presidenciais não ficaram por aí e estendem-se mesmo à discussão do momento: Cavaco não concorda com um limite ao défice na Constituição, ao contrário de Passos. E por agora o Presidente tem em cima da mesa para promulgar o Orçamento do Estado que tanto criticou. Será o primeiro passo do resto da governação de Passos Coelho.
Título e Texto: Liliana Valente, jornal “i”, 21-12-2011

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