quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Fuja de quem lhe deseja o Natal possível


Isabel Stilwell
Suspeito que para alguns (muitos!) portugueses a crise económica trouxe um certo apaziguamento, no fundo como se encontrassem no mundo exterior a justificação para o que sentem dentro de si. Afinal, um pouco como os hipocondríacos que se sentem revitalizados quando, finalmente, lhes é diagnosticada uma doença real.
Mas se durante todo o ano este “desgraçadismo” já é de caixão à cova, torna-se insuportável em tempo de Natal. Faça a experiência. Saia de casa a cantarolar músicas da época, enchendo os pulmões deste ar frio, sob um céu azul deslumbrante. Entre pela porta do escritório ainda a cantar, um sorriso de felicidade na cara, e vai ver quantas caras se voltam para si, sobrolho franzido em reprovação. Então anda aí a pedir aos pastores para entrarem, aos anjos para cantarem, a sugerir que a humanidade olhe para as estrelas, quando as taxas moderadoras sobem, o desemprego aumenta, o euro com mais dois sopros e vai à vida, e a Europa está como se vê? E quanto a ir adorar o Menino, é apelo que se faça quando as creches estão ao preço a que estão, e até o leite paga IVA? Só pode ser inconsciente, da camarilha do Passos Coelho, ou um capitalista com o dinheiro numa offshore.
Aflito com a possibilidade de ofender os sentimentos dos presentes, como alguém que sorri num velório tenta apaziguar os ânimos, recordando que está a recibo verde, paga impostos como os outros, e acaba a pedir desculpa por qualquer coisinha, justificando a alegria, com o facto de ter a melhor mulher do mundo, dos seus filhos estarem excitados com o Pai Natal, e o seu irmão, emigrado, estar por aí a chegar. Como ainda o olham, desconfiados, sente-se obrigado a prometer que não volta a cantar, que isto dos cânticos são como o álcool, e às duas por três um tipo já não responde por si. Finalmente, tira um trunfo da manga: “Ouvi dizer que vem aí um alerta vermelho”. No fim do dia, quando lhe desejam “O melhor Natal possível”, de olhos no chão agradece. Pela palmada de apreço que lhe dão nas costas, entende que agora já é um dos deles.
Título e Texto: Isabel Stilwell, Destak, 21-12-2011
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