Luiz Felipe Pondé
Tem coisa mais monótona do que
discutir sobre a existência ou não de Deus? Ninguém crê em Deus "por
razões lógicas". Isso é papo furado. Ninguém "decide" ter fé.
Tentar provar que Deus existe
porque ele seria "uma necessidade da razão" me parece um engodo.
Primeiro porque a razão é
risível em suas necessidades, como diria o cético Michel de Montaigne (século
16). A pergunta pela origem de tudo que existe (como numa espécie de
aristotelismo aguado) não prova nada. Temos inúmeras necessidades que não são
autoevidentes -por exemplo, que o bem deva vencer ao final das coisas.
Muitas vezes o mal vence e
pronto. Quase sempre. Por outro lado, é interessante se pensar de onde veio a
matéria que explodiu um dia e o lugar onde ela explodiu.
Mas isso nada prova acerca do
Deus ocidental. O princípio pode ser uma mecânica estúpida.
Aliás, o chamado
"argument from evil" (argumento a partir do mal) do ateísmo é famoso.
Autores grandes como Dostoiévski e Kafka, entre outros, já o frequentaram de
forma brilhante.
O argumento basicamente é o
seguinte: se Deus é bom, por que o mundo é mau? Alguns já chegaram a supor que
Deus seria mesmo mau, como o próprio Kafka.
Duas questões são importantes
apontar nesse debate, uma com relação aos crentes, outra aos ateus.
Primeiro os crentes. Uma
falácia comum por parte dos crentes é supor que seria impossível você ser uma
pessoa razoavelmente moral sem alguma forma de religião. A história prova que
ateus e crentes dividem o mesmo lote de miséria moral. Pouco importa ser ou não
crente.
Pessoalmente, acho que o acaso
decide: o temperamento (o acaso de você ter nascido "assim ou
assado") é quase sempre o juiz do comportamento humano e não
"valores" religiosos ou éticos seculares (não religiosos).
Portanto, a tentativa de
afirmar que, se você é ateu você necessariamente não é "bom", é pura
falácia. Tampouco penso que uma religião faça falta para todas as pessoas.
Muita gente vive sem crise sem acreditar em coisa nenhuma "do outro
mundo". Isso não significa que ela seja sempre feliz (tampouco os
religiosos o são), a (in)felicidade depende de inúmeros fatores.
E mais: "crer ou não
crer" não é algo que você escolhe, "acontece". Grandes teólogos
como Santo Agostinho, Lutero e Calvino diziam que a "fé é uma graça"
(simplificando a coisa), alguns receberam o dom e outros não (portanto, ela
"acontece", como eu dizia acima, não é você quem escolhe ter ou não).
Acho essa ideia bem mais elegante do que esse papo furado acerca das
necessidades racionais, sociais, morais ou psíquicas da crença.
Quanto aos ateus, acho risível
a ideia de que o ateísmo seja uma "conquista" da razão ou de alguma
forma de rigor moral ou "coragem cosmológica".
Nada disso, como já disse
antes, e repito, até golfinhos conseguem ser ateus em sua maravilhosa vida
aquática. Fiquei ateu quando tinha oito anos.
O ateísmo me parece, entre
todas as hipóteses sobre o universo, a mais fácil, simples, rápida e quase
"fast food theory" (teoria fast food).
Não precisamos nos esforçar
muito para perceber que podemos talvez um dia descobrir a causa
"natural" do universo, ou acabarmos como espécie antes de descobrir
qualquer coisa. E "who cares" se sumirmos um dia?
E mais: é quase evidente que
somos uma raça abandonada na face da Terra e a indiferença dos elementos
naturais para conosco (sejam eles externos ou internos ao nosso corpo) salta
aos olhos.
E mais: a possibilidade de
estarmos sozinhos é sempre mais fácil do que acompanhados por um ser
maravilhoso, dono do universo e que sabe cada fio do cabelo que você tem na
cabeça.
Não há nenhuma evidência
definitiva de que Deus ou que qualquer outra entidade divina exista. O ônus da
prova é de quem crê. Além do fato de que os japoneses, caras bem inteligentes,
não creem em Jesus na maioria das vezes.
Acho Deus uma hipótese acerca
da origem das coisas mais elegante do que a dos golfinhos. Mas, por outro lado,
a ideia de que um dia o pó tomou consciência de si mesmo e constatou sua
dolorosa solidão cósmica é bela como uma ópera.
Título e Texto: Luiz Felipe Pondé, Folha de S.Paulo, 26-12-2011
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