Há uns meses, o El Mundo descreveu a Grécia, ou a
administração pública da Grécia. À entrada de um hospital, quatro arbustos,
presume-se que belíssimos, estavam ao cuidado de 45 jardineiros. Um carro
oficial, presume-se que excelente, tinha 50 motoristas designados. Um lago seco desde 1930, presume-se que saudoso, possuía, e talvez ainda possua, uma
comissão nomeada para a sua preservação. Quarenta mil filhas solteiras de
antigos, e já falecidos, funcionários do Estado recebiam uma pensão vitalícia
de mil euros mensais (de agora em diante, a benesse termina aos 18 anos). Por
falar em mortos, as famílias de 4500 não informaram a Segurança Social e
continuam a desfrutar das reformas. Entre cabeleireiros, trompetistas e
apresentadores de televisão, existem 600 categorias profissionais que merecem a
classificação de "extenuantes", pelo que dispõem de aposentação
antecipada para os 50 (no caso das senhoras) ou os 55 anos (no caso dos
cavalheiros). Um em cada quatro gregos não paga impostos. A dívida pública dos
gregos em peso ascendia, em Julho passado, aos 340 mil milhões de euros. Etc.,
um imenso etc.
Este monumento à racionalidade
contabilística, mantido a expensas alheias, viu-se perturbado com a inesperada
falência e a imposição externa de medidas de austeridade. Sem surpresas, o povo
não gostou das medidas e desatou a arrasar tudo o que lhe surgisse perla
frente. Se os tais arbustos do tal hospital não podem beneficiar dos 45
jardineiros, o povo prefere incendiar o hospital. Se a condução do tal carro
oficial fica ao cargo de, digamos, uns meros 20 motoristas, o povo opta por
transformar o carro em ferro-velho. Se o lago seco não é cuidado devidamente, o
povo escolhe reduzir a escombros o edifício mais à mão (demolir um lago, para
cúmulo vazio, é tarefa complicada). E por aí em diante.
Os media, por regra simpáticos
para com os oprimidos, chamam "confrontos" ao caos em roda livre que
se apoderou da Grécia: os confrontos que opõem uma horda empenhada na
devastação aos alvos da mesma (para já, a horda vence folgadamente). Mas nem os
media foram tão longe na simpatia quanto as 30 "personalidades" portuguesas que assinaram um documento de apoio aos gregos. Um cidadão incauto
tenderia a achar que os gregos, pelo menos os transtornados gregos da
"rua" local, precisam de juízo e, com frequência, da cadeia.
As "personalidades"
em causa discordam. Nas suas doutas opiniões, a violência em Atenas é uma
"luta" contra o "cortejo de sacrifícios". A alternativa aos
sacrifícios é uma "Europa solidária aos problemas sociais e aos direitos
das pessoas". Dito com franqueza, o pandemónio grego justifica-se até que
os países ricos da União voltem a patrocinar incondicionalmente as
idiossincrasias laborais dos indígenas. Nas entrelinhas, adivinha-se idêntica
receita para Portugal, cuja população deve irromper em fúria a fim de estimular
a solidariedade dos contribuintes alemães.
Não se percebe porque é que os
contribuintes alemães se hão de maçar demasiado com, no limite, a destruição do
Pártenon ou dos Jerónimos. Percebe-se que as "personalidades" citadas
não se prendam com trivialidades. De Vasco Lourenço a Boaventura Sousa Santos,
passando por D. Januário Torgal e Carvalho da Silva, nunca qualquer dos 30
subscritores se notabilizou pela lucidez. A excepção é o primeiro subscritor,
de sua graça Mário Soares, em tempos conhecido como o pai da democracia e hoje
misteriosamente empenhado em ser o respectivo coveiro.
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