domingo, 19 de fevereiro de 2012

A Comédia Grega

O Teatro de Dionísio em reconstituição do século XIX
Alberto Gonçalves
Há uns meses, o El Mundo descreveu a Grécia, ou a administração pública da Grécia. À entrada de um hospital, quatro arbustos, presume-se que belíssimos, estavam ao cuidado de 45 jardineiros. Um carro oficial, presume-se que excelente, tinha 50 motoristas designados. Um lago seco desde 1930, presume-se que saudoso, possuía, e talvez ainda possua, uma comissão nomeada para a sua preservação. Quarenta mil filhas solteiras de antigos, e já falecidos, funcionários do Estado recebiam uma pensão vitalícia de mil euros mensais (de agora em diante, a benesse termina aos 18 anos). Por falar em mortos, as famílias de 4500 não informaram a Segurança Social e continuam a desfrutar das reformas. Entre cabeleireiros, trompetistas e apresentadores de televisão, existem 600 categorias profissionais que merecem a classificação de "extenuantes", pelo que dispõem de aposentação antecipada para os 50 (no caso das senhoras) ou os 55 anos (no caso dos cavalheiros). Um em cada quatro gregos não paga impostos. A dívida pública dos gregos em peso ascendia, em Julho passado, aos 340 mil milhões de euros. Etc., um imenso etc.
Este monumento à racionalidade contabilística, mantido a expensas alheias, viu-se perturbado com a inesperada falência e a imposição externa de medidas de austeridade. Sem surpresas, o povo não gostou das medidas e desatou a arrasar tudo o que lhe surgisse perla frente. Se os tais arbustos do tal hospital não podem beneficiar dos 45 jardineiros, o povo prefere incendiar o hospital. Se a condução do tal carro oficial fica ao cargo de, digamos, uns meros 20 motoristas, o povo opta por transformar o carro em ferro-velho. Se o lago seco não é cuidado devidamente, o povo escolhe reduzir a escombros o edifício mais à mão (demolir um lago, para cúmulo vazio, é tarefa complicada). E por aí em diante.
Os media, por regra simpáticos para com os oprimidos, chamam "confrontos" ao caos em roda livre que se apoderou da Grécia: os confrontos que opõem uma horda empenhada na devastação aos alvos da mesma (para já, a horda vence folgadamente). Mas nem os media foram tão longe na simpatia quanto as 30 "personalidades" portuguesas que assinaram um documento de apoio aos gregos. Um cidadão incauto tenderia a achar que os gregos, pelo menos os transtornados gregos da "rua" local, precisam de juízo e, com frequência, da cadeia.
As "personalidades" em causa discordam. Nas suas doutas opiniões, a violência em Atenas é uma "luta" contra o "cortejo de sacrifícios". A alternativa aos sacrifícios é uma "Europa solidária aos problemas sociais e aos direitos das pessoas". Dito com franqueza, o pandemónio grego justifica-se até que os países ricos da União voltem a patrocinar incondicionalmente as idiossincrasias laborais dos indígenas. Nas entrelinhas, adivinha-se idêntica receita para Portugal, cuja população deve irromper em fúria a fim de estimular a solidariedade dos contribuintes alemães.
Não se percebe porque é que os contribuintes alemães se hão de maçar demasiado com, no limite, a destruição do Pártenon ou dos Jerónimos. Percebe-se que as "personalidades" citadas não se prendam com trivialidades. De Vasco Lourenço a Boaventura Sousa Santos, passando por D. Januário Torgal e Carvalho da Silva, nunca qualquer dos 30 subscritores se notabilizou pela lucidez. A excepção é o primeiro subscritor, de sua graça Mário Soares, em tempos conhecido como o pai da democracia e hoje misteriosamente empenhado em ser o respectivo coveiro.

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