terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A irresponsabilidade financeira do Estado

O monstro está a usar e a abusar da lei do compromisso para testar o governo. Ainda é cedo para saber quem ganha
António Ribeiro Ferreira

Os laboratórios Roche suspenderam o fornecimento de medicamentos a 23 hospitais públicos por uma razão elementar. Dívidas de 145 milhões de euros por pagar há mais de 420 dias, isto é, há mais de um ano.
É evidente que qualquer fornecedor tem vontade de fazer o mesmo perante calotes desta natureza. Acontece que uns podem, por terem músculo financeiro e clientes diversificados, outros não, porque dependem essencialmente das compras do Estado e têm muito medo de divulgar publicamente os calotes da administração central, das regiões autónomas, das câmaras e das empresas públicas. Basta ver o que aconteceu há um ano quando o governo de Sócrates, num gesto de falsa boa vontade, abriu um site para os fornecedores divulgarem publicamente os serviços que lhes deviam dinheiro, os montantes e o tempo dos calotes. Claro que ficou deserto.
Ninguém se arriscou a cair nas más graças de directores-gerais, gestores, autarcas e governos regionais. As dívidas brutais do Estado a empresas que vivem quase exclusivamente das encomendas públicas provocam dramas incontáveis, falências, desemprego e rombos incalculáveis na economia e no financiamento da actividade produtiva. Por isso mesmo a troika esteve atenta ao problema logo em Maio de 2011, quando Portugal pediu ajuda externa e aceitou o Memorando em troca de um empréstimo de 78 mil milhões de euros.
Por isso mesmo foi recentemente promulgada a lei do compromisso financeiro, que faz responder disciplinar e criminalmente todos os responsáveis públicos que assumam compromissos financeiros sem a garantia de os liquidar em 90 dias. O diploma foi promulgado por Cavaco Silva, está em vigor, e provocou de imediato reacções violentas e indignadas de vários sectores integrantes do monstro.

Como seria de esperar num país que geme de dor sempre que sai alguma medida que implique uma maior disciplina financeira do Estado, os administradores hospitalares vieram logo para a opinião pública ameaçar o governo com uma demissão em massa e, no tom alarmista habitual, traçar cenários dantescos sobre o que aconteceria a qualquer desgraçado que tivesse a má sorte de entrar num hospital público.
Desconhece-se se a demissão já se verificou e ainda é cedo para perceber se a lei está ou não a ser cumprida. Mais recentemente foram as câmaras a clamar que muitas iam para a falência e que estariam a negociar com o Ministério das Finanças um regime excepcional qualquer, para além de planos de resgate financeiro semelhantes ao da Madeira. Estes exemplos revelam bem como um diploma muito pouco mediático, sem debates inflamados na comunicação social, atinge em cheio um monstro habituado a fazer pouco de toda a gente, com total impunidade.
Mata a economia, mata empresas, mata empregos, mas exige sempre às suas vítimas, de forma implacável, o pagamento dos impostos referentes a serviços que não paga a tempo e horas. Um crime que evidentemente ninguém castiga. Até agora. Mas nestas coisas do Estado é bom esperar para ver quem ganha. A lei ou o monstro.
O governo, o ministro das Finanças ou a máquina implacável e insaciável que destrói há anos a economia e o emprego.
Título e Texto: António Ribeiro Ferreira, jornal “i”, 28-02-2012

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