quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O Mercador de Veneza, de Shakespeare: "Cuidado! Obra anti-semita!"

Reinaldo Azevedo

Será que os judeus também devem pedir para recolher os dicionários ou para censurar Shakespeare?

Há um procurador do Ministério Público Federal que quer recolher o dicionário Houaiss porque considera ilegal — imaginem só — um dos registros da palavra “cigano”. Ocorre que a obra deixa claro que se trata de um uso pejorativo. Pessoas de outras origens poderiam reclamar. Lê-se na acepção nº 9 do vocábulo “judeu”, por exemplo: “pessoa usurária, avarenta”. De novo: uma coisa é um dicionarista cumprir a sua obrigação e publicar que a palavra tem esse registro pejorativo, nascido certamente do preconceito, outra é endossá-lo.
Quando o Ministério da Educação, sob as luzes de Fernando Haddad, queria pôr uma tarja vermelha em Monteiro Lobato, escrevi aqui:

Deverá agora “O Mercador de Veneza” vir com a advertência: “Cuidado! Obra anti-semita, só recomendável para quem está devidamente instruído sobre este assunto”? Ou, do mesmo Shakespeare, sobrepor à capa de “Othelo” algo assim: “Cuidado! Sugere-se que o temperamento emocional e desequilibrado do protagonista pode estar relacionado à sua origem racial e mesmo à cor de sua pele”? Vai-se proibir Alexandre Herculano, em Portugal ou em qualquer lugar, ou apensar um tratado a seus livros advertindo para a possível manifestação de preconceito contra a fé islâmica? É o fundo do poço moral, a que não se chega sem uma dose cavalar de ignorância, preconceito às avessas, estupidez e, obviamente, patrulha ideológica.
Imaginem o próprio Tio Rei… Cansei de ver os cientistas sociais a apontar a “miopia histórica” deste ou daquele… Eu aqui, com os meus muito graus cultivados com denodo, deveria me sentir humilhado? Hão de protestar agora os gordos quando os defensores da responsabilidade fiscal atacam o “estado obeso”? É preciso ter senso de ridículo.
Atenção! Se alguém pretender usar a peça de Shakespeare como evidência de que judeus são naturalmente avarentos e usurários, aí será racismo, sim — mas o bardo não terá culpa do cartório. Do mesmo modo, Othelo não poderá ser empregado como evidência de que os mouros são naturalmente propensos à irracionalidade…
“Ah, isso que você está falando também vale para Paulo Henrique Amorim?” Claro que sim! É por isso tudo, aliás, que sustento que suas manifestações contra Heraldo Pereira foram racistas. E não! Não vou desistir deste tema, ainda que ele propagandeie que sua conversa mole nunca foi tão acessada. O episódio expôs de maneira insofismável o caráter dos JEG (Jornalistas da Esgotosfera Governista).
Texto: Reinaldo Azevedo, 28-02-2012 
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Censura ao dicionário Houaiss

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