O PRIMEIRO-MINISTRO DE
PORTUGAL VÊ NA CRISE A OPORTUNIDADE PARA FAZER REFORMAS. ELE VAI CORTAR OS
BENEFÍCIOS SOCIAIS DE QUEM NÃO PRECISA, PRIVATIZAR ESTATAIS E ABRIR A ECONOMIA
Duda Teixeira, de Lisboa
O estado no seu devido lugar
Para muitos economistas,
Portugal está a caminho de se tornar, depois da Grécia, a próxima nação da zona
do euro a afundar. A taxa de desemprego é de 15%, superior à média europeia, e
o PIB deve encolher 3% em 2012.
O desafio de Pedro Passos Coelho, de 47 anos, primeiro-ministro português, no cargo desde junho de 2011,
é reduzir a dívida e os gastos públicos e ao mesmo tempo, tirar o país da
recessão. Antes de Coelho assumir, Portugal só se salvou da quebra por receber
um pacote de ajuda externa no valor de 78 bilhões de euros, um terço do que foi
obtido pela Grécia. Com voz de barítono, que usava para cantar fados em
ocasiões privadas, Passos Coelho falou a VEJA na residência oficial do chefe de
governo, o Palacete de São Bento, em Lisboa.
O governo brasileiro quer encarecer e dificultar a importação de
vinhos, incluindo os portugueses, para beneficiar os produtores da Serra
Gaúcha. Qual sua opinião sobre isso?
O protecionismo, por mais que
pareça dar oportunidades imediatas aos grupos nacionais, é pouco eficiente a
médio e longo prazo. Quando se diminui a exposição do país à competição
externa, os consumidores são obrigados a pagar um preço mais elevado por um
determinado nível de consumo ou de realização de serviços. Ora, se uma parte
desse gasto for liberada para a compra de outro produto ou para investimentos,
a economia no seu conjunto ganhará mais. Portanto, mais vale privilegiar a
competição internacional do que proteger os nossos campeões internos.
O que o senhor diz aos portugueses que culpam a chanceler alemã Angela
Merkel e o presidente francês Nicolas Sarkozy pela crise europeia?
Esse é um clichê muito
difundido na imprensa. O fato de Alemanha e França procurarem soluções para a
crise resultou na ideia errônea de que eles eram de certa forma responsáveis ou
até beneficiários dessa situação. Nada mais exagerado. Primeiro porque, apesar
de serem os líderes de duas das principais economias europeias, as decisões
finais sobre os rumos do bloco são tomadas por um comitê mais amplo de chefes
de governo e de estado. Segundo, a situação adversa que Portugal vive hoje não
veio em consequência das decisões de Merkel ou de Sarkozy. Os desequilíbrios
existentes cm Portugal são resultado de más decisões tomadas por nós mesmos.
Usamos mal o dinheiro, selecionamos mal os projetos de obras públicas,
aumentamos os impostos para gastar com serviços de pouco valor, não
flexibilizamos suficientemente o mercado de trabalho, não abrimos a economia...
Os líderes europeus não agravaram nossos problemas. Ao contrário, eles nos
ajudaram a encontrar uma saída para eles.
A Grécia está imersa no caos social e ainda negocia para não pagar uma parte de sua dívida. Toda a ajuda em dinheiro vinda de fora parece não ser suficiente para equilibrar as contas e superar a recessão. Alguns analistas dizem que Portugal será a próxima Grécia. Qual o risco de isso ocorrer?
Nosso país tem adotado medidas
que a comunidade internacional e a União Europeia consideram bem-sucedidas.
Corrigimos algumas deficiências em tempo recorde. Internamente fizemos um
acerto duro nos gastos públicos. Apesar de a crise econômica ter reduzido a
nossa receita tributária e aumentado as nossas despesas com benefícios sociais
para os desempregados, conseguimos cortar o déficit estrutural em 4 pontos
porcentuais. Externamente reduzimos o déficit na balança de pagamentos. Nesse
quesito, alcançamos em dezembro de 2011 uma meta que todos esperavam ser
possível atingir apenas em dezembro de 2012. Essa conquista ocorreu não apenas
per causa da nossa política de austeridade, mas sobretudo porque os setores
exportadores, como o têxtil e o automotivo, tiveram um desempenho superior ao
previsto. O turismo, que representa 10% do PIB, também foi muito bem. Até 2013
vamos atingir o equilíbrio nas contas externas. Isso dá aos mercados uma
sensação de estabilidade e de confiança em relação a nós.
Portugal vai precisar de mais um pacote de resgate europeu?
Creio que não. De qualquer
modo, o FMI (Fundo Monetário Internacional) e a União Europeia se comprometeram
com uma nova ajuda em dinheiro se no futuro subsistir alguma dificuldade. Isso,
claro, com a condição de que as medidas de estabilização financeira e
macroeconômica sejam bem-sucedidas e que a agenda de reforma estrutural da
economia portuguesa seja cumprida. Como temos feito tudo corretamente, e antes
do previsto, a garantia do FMI e da União Europeia nos ajudará a voltar a
emitir títulos da dívida a juros baixos no prazo esperado: setembro de 2013.
Como compatibilizar o corte de gastos públicos com a injeção de mais
dinheiro na economia para estimular o consumo como medida contra a recessão?
Não são ações excludentes.
Primeiro porque, em Portugal, o estado gastou muito sem que a economia melhorasse.
Segundo porque, atualmente, não temos alternativa Os recursos financeiros para
estimular a economia simplesmente não existem. As medidas de austeridade que
estamos adotando não são a origem do problema são parte da solução. Se Portugal
tivesse a oportunidade de decidir de outra maneira não teria pedido ajuda às
instituições internacionais. Tivemos de fazê-lo porque os mercados se fecharam
e ninguém mais queria financiar a economia portuguesa.
O senhor vai privatizar a companhia aérea TAP e outras empresas
estatais?
Sim. Nossa lista inclui
empresas dos setores energético e de transporte, além dos aeroportos, dos
correios, de um canal de televisão e das Águas de Portugal, em que haverá um
misto de abertura ao capital privado e concessões públicas. O objetivo é tirar
o estado da economia, acabar com o estado patrão, dono de empresas. Pretendemos
atrair capital novo para Portugal, recebendo empresas que podem ter relevância
para internacionalizar a nossa economia e tornar nossas empresas mais
competitivas.
Como a opinião pública tem reagido aos anúncios de privatização?
Não tem havido resistência. Os
portugueses sentem que o estado não foi um bom gestor de empresas. O custo
delas para o país e para os contribuintes é muito elevado. Os cidadãos também
sabem que precisamos atrair dinheiro externo para movimentar a nossa economia.
Tanto há um consenso sobre isso que as privatizações já estavam no programa do
governo socialista de José Sócrates, meu antecessor.
Residência Oficial do
Primeiro-Ministro de Portugal, Palacete de São Bento. Foto: Koshelyev
|
Com o argumento de que os portugueses precisam trabalhar mais, o senhor
acabou com quatro feriados nacionais, incluindo o de Corpus Christi. Funcionou?
Precisamos ser mais
produtivos, mais eficientes e, portanto, mais competitivos. As privatizações
são somente uma parte desse processo. A questão dos feriados também. Queremos
que os empresários tenham menos receio de contratar novos funcionários,
tornando mais flexível o número de horas de trabalho e resolvendo melhor os
conflitos trabalhistas. A maioria da população está de acordo com essas
mudanças, porque a crise a fez refletir sobre isso.
Por que os gastos públicos portugueses cresceram tanto?
Há duas razões para isso. A de
natureza conjuntural é a mesma que afetou os outros países da Europa. Depois da
crise econômica de 2008, o nível de emprego caiu, as despesas sociais
aumentaram e a arrecadação declinou. Com o fim da crise, isso muda. Há também
um componente estrutural, que se refere a um alargamento insensato das
responsabilidades do estado na economia. O fato de Portugal ter entrado na zona
do euro facilitou o financiamento de obras e tornou a seleção dos projetos
frouxa e pouco exigente. Como resultado, Portugal ganhou uma rede de estradas
muito além das nossas necessidades. Não há tráfego que justifique todos os
investimentos feitos na malha viária. Desperdiçamos muito dinheiro em projetos
sem retorno financeiro. Sucessivos governos também aumentaram as despesas com
gasto de pessoal e serviços sociais, como educação, aposentadorias e
seguro-desemprego, que hoje equivalem a toda a receita tributária. O resto é
déficit. Se quisermos um país mais competitivo, o que só pode surgir do lado
privado, teremos de reduzir o peso do setor público. Teremos de corrigir também
a rede assistencialista de tal modo que aqueles que realmente precisam da ajuda
social possam recebê-la, sem abusos.
Quando a economia voltar a crescer, os benefícios sociais vão retornar
aos níveis anteriores?
Não. Nos próximos três anos,
de 2012 a 2014, não queremos somente superar os problemas conjunturais. Vamos
reestruturar a economia. As grandes obras públicas encomendadas pelo estado
português nos últimos anos deslocaram quase todo o crédito disponível para o
setor público, quando ele deveria estar sendo usado mais na iniciativa privada.
Temos de deixar a economia respirar, ser mais aberta ao capital externo, mais
focada nos mercados globais. Desse ponto de vista, a atual crise econômica é
uma oportunidade para corrigir, entre outros, os desvios existentes nos
serviços sociais.
Na crise grega, cogitou-se que o país abandonasse o euro para poder
adotar uma moeda própria, menos valorizada, de forma a ganhar competitividade
nas exportações. Os portugueses também enxergam um futuro fora da zona do euro?
Não existe ninguém em Portugal
com peso político advogando uma saída do euro. Há, ao contrário, uma crença de
que o nosso futuro está conectado ao da Europa Não nos vemos na periferia do
bloco, mas como membro destacado da União Europeia. Temos uma tradição
atlântica muito ligada à nossa política externa, ao nosso relacionamento com os
Estados Unidos, com o Brasil e com os países que falam português na África.
Essas relações interessam à Europa.
A presidente Dilma Rousseff disse a Angela Merkel que os pacotes de
ajuda aos países europeus jogaram dinheiro demais no mercado, o que inunda os
países, entre eles o Brasil, com capitais especulativos. O senhor concorda?
O problema dos capitais
especulativos se resolve com regras financeiras globais. A fraca regulação foi
uma das causas da crise iniciada em 2008. Os principais bancos centrais do
mundo precisam reforçar a vigilância mútua e a troca de informações. O FMI deve
ser reformado. Tudo isso é parte de uma agenda global que ainda não teve uma
resposta satisfatória.
O senhor conhece bem o Brasil?
Quando fui ao Brasil pela
primeira vez, há três anos, tive a impressão de ser uma nação em via de grandes
transformações e crescimento, com muitas oportunidades. Há uma distribuição de
riqueza melhor do que antes, um processo iniciado com o presidente Fernando
Henrique Cardoso, e a criação de uma classe média que passou a funcionar como o
motor do crescimento da economia interna. Espero conhecer melhor o Brasil nas
próximas ocasiões.
A melancolia do fado serve como metáfora do momento econômico vivido
por Portugal?
O fado está sempre em evolução.
Mesmo os novos nomes do fado fazem interpretações muito clássicas de temas
recorrentes da música portuguesa, mas com propostas criativas e inovadoras.
Versões tradicionalíssimas e outras modernas convivem harmoniosamente. O fado
tem essa qualidade de se renovar continuamente e se reinventar com novos
artistas. Não há um fado. Há muitas versões do fado. A atitude geral, porém,
mantém-se em qualquer circunstância Consiste em matar as nossas misérias, os
nossos fatalismos. De certa maneira ao cantar o fado, nós espantamos os nossos
fantasmas. É o contrário do que parece quando ouvimos aquelas letras.
O senhor canta com que frequência?
Muito pouca. Uma vez por mês,
pelo menos? Atualmente, nem isso.
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