João César das Neves
A relevância da
homossexualidade na nossa sociedade é surpreendente. Um assunto do foro
privado, igual ao que sempre foi, saltou para o centro da actualidade. Mais
estranha ainda a inversão de atitude. De prática condenada e repudiada passou a
algo que todos se esforçam por considerar normal. Aliás, qualquer outra
avaliação é inaceitável.
É verdade que, apesar dos
importantes avanços na tolerância, ainda se encontram aí casos graves de
discriminação e violência que devem ser denunciados e resolvidos. Mas no meio
de tantos problemas sociais, económicos e políticos, vivendo-se fortes
conflitos de muitos tipos, é inusitada a atenção e a inversão.
Um paralelo resolve a
estranheza. O horror nazi ensinou ao Ocidente a suprema injustiça do racismo.
Alguém que é desprezado por ser judeu, mulher ou negro sofre por algo
inevitável, que não depende da sua escolha. Mas isso é muito diferente da
crítica contra atitudes pessoais, como cristão, comunista ou engenheiro. Em
ambos os casos, a injustiça é comparável, mas no primeiro existe pura
arbitrariedade, enquanto o segundo visa actos da responsabilidade da pessoa,
que deve assumir as suas escolhas. Como diz o velho provérbio jurídico,
"ninguém é preso por ser ladrão, mas por ser apanhado a roubar".
A chamada "ideologia do género"
tem feito o impossível para conseguir que a opção sexual seja classificada como
congénita, identificando assim a homofobia com o racismo. No entanto, nesse
campo, a única coisa demonstrável é a existência de uma tendência. Todos temos
múltiplas inclinações pessoais, que o nosso comportamento depois promove ou
contraria. Não existe no acto sexual uma necessidade inelutável. Cada um
continua senhor das suas escolhas e nunca pode atribuir o seu estilo de vida a
uma predeterminação genética.
Aqui surge uma segunda
confusão entre discriminação e opinião. Existe realmente o crime grave de
homofobia, que consiste no tratamento injusto, ou pior a agressão, a alguém por
opção sexual. Isso é muito diferente da opinião que cada um possa ter sobre
essa actividade. Chamando "homófobo" a quem quer que, sem prejudicar
ninguém, considere a prática uma perversão, confundem-se as coisas e comete-se
uma outra discriminação, aqui por delito de opinião. Também existem no mundo
graves perseguições contra católicos, que não podem ser confundidas com o
repúdio particular por essa religião, manifestado de forma civilizada. A fúria
actual contra qualquer pessoa que não alinhe com a visão dominante da
naturalidade e equivalência de todas as opções sexuais é, ela sim, uma forma grave
de totalitarismo cultural.
Ultimamente, esta ideologia
tornou-se institucional. Aquilo de que tratam os jornais não é sexualidade, mas
decretos. O problema não é erótico, é jurídico. Esta terceira confusão vem de
deduzir do repúdio da homofobia a exigência de leis que concedam a esses casais
uma paridade com as famílias. O erro abandona o campo especulativo e torna-se
político.
O Estado não regula amor e
paixão. Se assim fosse, teria de criar muitos contratos para além do casamento.
O motivo por que instituiu apenas este tem razões político-sociais, não
sentimentais. De facto, a família é a célula base da sociedade, e convém que a
lei a estatua, regulamentando os direitos básicos. Fora disso há múltiplas
formas de amizade e relação que seguem as partes genéricas do Código Civil.
A razão do interesse jurídico
está na paternidade, nascimento e educação de futuros cidadãos, que apenas a
família estável realiza com qualidade. Isso não significa que o casamento só se
aplique a casais férteis; também o contrato de sociedade é dirigido à produção
e lucros, mas uma empresa não deixa de o ser se estiver inactiva. Estas
considerações são óbvias, mas a lógica cede num tempo em que as questões da
sexualidade têm impetuosidade doentia. O prazer venéreo adquiriu estatuto
absoluto, e a regra suprema é "vida sexual e reprodutiva saudável,
gratificante e responsável". Que significa gozo sem regras. Esta é a
verdadeira causa das confusões.
Título e Texto: João César das Neves, Diário de Notícias, 30-04-2012
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