quinta-feira, 26 de abril de 2012

A tolerância democrática é a nossa grande marca

Eduardo Oliveira Silva
É uma conquista que temos de saudar e continuar a cultivar

Miguel Portas, foto: José Pedro Tomaz
A imagem de Miguel Portas pairou sobre o aniversário do 25 de Abril. A homenagem geral vinda de todos os quadrantes para com esta figura fundadora do Bloco de Esquerda foi uma prova substantiva da tolerância que a sociedade portuguesa conhece, 38 anos depois da revolução.
Essa tolerância tornou-se um valor e uma marca do nosso país que não encontramos expressa do mesmo modo na Europa, para falar só do continente em que Portugal se insere.
Esta convivência de ideias é uma conquista que temos de saudar e que devemos continuar a cultivar.
No entanto, uma coisa é a tolerância e outra é a autonomia. Ora, nesse ponto já Portugal não vive propriamente dias saudáveis. A crise para que o país foi arrastado por dois períodos de grave irresponsabilidade governativa (primeiro Guterres e depois Sócrates) limitou a capacidade de sermos donos do nosso destino.
O peso da dívida e as obrigações que contraímos com o exterior conduziram depois a uma espécie de suspensão dessa capacidade. Por isso é estranho ouvir políticos como Carlos Zorrinho afirmarem-se zelosos defensores do Estado social e das “conquistas das últimas décadas” e invocarem até rupturas democráticas em sua defesa quando contribuíram para a sua destruição com uma ruinosa política pública expansionista.
Zorrinho diz ter gostado do discurso positivo de Cavaco, mas acrescentou ter pena de que noutras circunstâncias (ou seja, no tempo de Sócrates) não tenha feito o mesmo. Ora, se alguém apoiou esse governo socialista foi Cavaco, que até pecou por não ter percebido a catástrofe que se adivinhava.
É verdade que ontem o Chefe de Estado optou por excluir palavras mais radicais como crise, utilizando eufemisticamente expressões como “a complexidade do momento”.
Ver aí uma tolerância para com o governo pode até fazer sentido, mas não interessava o Presidente causticar mais do que já fez noutros momentos quem herdou uma situação sem a ter criado, mais a mais numa cerimónia em que o primeiro-ministro não fala.
É certo que se poderia certamente governar melhor, mas este não é ainda o tempo de balanços presidenciais.
Da intervenção de Cavaco é de ressaltar o esforço que fez para que cada um de nós seja um mensageiro dos sucessos das tecnologias (como a Via Verde), da inovação, da enorme potencialidade do nosso idioma como veículo, do sucesso da educação ao mais alto nível, da expressão de uma arquitectura de qualidade e de um valor cultural como o cinema.
É verdade. O Presidente tem razão. Todos devemos ajudar. Todos, certamente, queremos ser embaixadores dessa realidade portuguesa. Mas como fazer quando, logo que cruzamos a fronteira para comprar caramelos em Badajoz, somos assediados por um conjunto de hermanos que nos saltam ao caminho, afirmando “hombre, mira, aquela coisa de os estrangeiros terem de fazer fila para conseguir andar nas auto-estradas nunca se viu”.
O simples facto de essa situação persistir anula todo e qualquer discurso positivo que se pretenda fazer lá fora e cobre-nos de ridículo – em Espanha e não só.
Título e Texto: Eduardo Oliveira Silva, jornal “i”, 26-04-2012

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