Ana Carolina Peliz
Outro dia me perguntaram como
anda a crise aqui na França. Eu poderia ter afirmado, como fazem muitos, que as
coisas estão piores, que a pobreza aumentou e que estamos sofrendo muito. Mas a
verdade é que eu não consigo ver toda essa crise. Preferi dizer que acho que o
significado da palavra crise muda de acordo com a perspectiva e a vivência de
cada um.
Eu, por exemplo, tenho a
impressão que nasci e vivi, durante boa parte da minha existência, em meio às
mais diversas tribulações financeiras.
Quando era criança o bicho
papão se chamava “inflação galopante” e, por causa dela, os preços das coisas
mudavam várias vezes por dia. Vi coisas que até Deus duvida, como um presidente
que resolveu, um belo dia, pegar o dinheiro que as pessoas tinham na poupança.
Conheci várias moedas,
cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro real e real. Durante minha
adolescência e nos anos da faculdade, todos meus colegas eram economistas:
classificação de risco, austeridade e déficit faziam parte de nosso vocabulário
diário.
Costumo contar para meus
amigos franceses, e sei que algum dia usarei isso contra meus filhos, que até
racionamento de eletricidade eu conheci.
Toda esta experiência forjou
minha concepção de crise, e acho que o ponto de vista francês é bem diferente
do meu.
É bem verdade que o mercado de
trabalho está engessado, e o desemprego aumentou, mas é necessário considerar
que a França tem um sistema de previdência social muito complexo e que dá
enormes garantias para os trabalhadores.
O sistema de saúde pública
também perdeu muito nos últimos anos. Mas continua sendo considerado pela
Organização Mundial da Saúde como um dos melhores do mundo.
Em relação ao sistema
educacional, apesar da diminuição dos professores, principalmente do ensino
fundamental, as escolas públicas francesas ainda são muito melhores que as
particulares.
Se os problemas da Grécia e da
Espanha contaminarem a França e regras de austeridade forem aplicadas, os
franceses devem perder alguns direitos, talvez tenham que arcar com uma parte
dos gastos com a saúde e aceitar uma redução das indenizações trabalhistas.
Para eles, esse cenário é o de uma grave crise financeira. Para mim, nem tanto.
Eu sei que conseguiria mais
simpatizantes se me unisse ao coro dominante dos que dizem que a França “já
era”, mas tenho que reconhecer, não sem uma certa inveja que, apesar de ter a
mesma ortografia no português e no francês, a palavra crise tem significados
bastante diferentes nos dois países.
Ana Carolina Peliz é
jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da
Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV. Ela estará aqui
conosco todas as quintas-feiras.
Fonte: Blog
do NOBLAT
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