sexta-feira, 25 de maio de 2012

Cartas de Paris: A crise na perspectiva francesa

Ana Carolina Peliz

Outro dia me perguntaram como anda a crise aqui na França. Eu poderia ter afirmado, como fazem muitos, que as coisas estão piores, que a pobreza aumentou e que estamos sofrendo muito. Mas a verdade é que eu não consigo ver toda essa crise. Preferi dizer que acho que o significado da palavra crise muda de acordo com a perspectiva e a vivência de cada um.
Eu, por exemplo, tenho a impressão que nasci e vivi, durante boa parte da minha existência, em meio às mais diversas tribulações financeiras.
Quando era criança o bicho papão se chamava “inflação galopante” e, por causa dela, os preços das coisas mudavam várias vezes por dia. Vi coisas que até Deus duvida, como um presidente que resolveu, um belo dia, pegar o dinheiro que as pessoas tinham na poupança.
Conheci várias moedas, cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro real e real. Durante minha adolescência e nos anos da faculdade, todos meus colegas eram economistas: classificação de risco, austeridade e déficit faziam parte de nosso vocabulário diário.
Costumo contar para meus amigos franceses, e sei que algum dia usarei isso contra meus filhos, que até racionamento de eletricidade eu conheci.
Toda esta experiência forjou minha concepção de crise, e acho que o ponto de vista francês é bem diferente do meu.
É bem verdade que o mercado de trabalho está engessado, e o desemprego aumentou, mas é necessário considerar que a França tem um sistema de previdência social muito complexo e que dá enormes garantias para os trabalhadores.
O sistema de saúde pública também perdeu muito nos últimos anos. Mas continua sendo considerado pela Organização Mundial da Saúde como um dos melhores do mundo.
Em relação ao sistema educacional, apesar da diminuição dos professores, principalmente do ensino fundamental, as escolas públicas francesas ainda são muito melhores que as particulares.
Se os problemas da Grécia e da Espanha contaminarem a França e regras de austeridade forem aplicadas, os franceses devem perder alguns direitos, talvez tenham que arcar com uma parte dos gastos com a saúde e aceitar uma redução das indenizações trabalhistas. Para eles, esse cenário é o de uma grave crise financeira. Para mim, nem tanto.
Eu sei que conseguiria mais simpatizantes se me unisse ao coro dominante dos que dizem que a França “já era”, mas tenho que reconhecer, não sem uma certa inveja que, apesar de ter a mesma ortografia no português e no francês, a palavra crise tem significados bastante diferentes nos dois países. 
Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV. Ela estará aqui conosco todas as quintas-feiras.

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