sábado, 26 de maio de 2012

Estou farto da conversa inconsequente sobre “crescimento e emprego”


Foto: Getty Images
José Manuel Fernandes
Às vezes não sei se os políticos gostam de se enganar a eles mesmos ou se só pretendem enganar os cidadãos. Ou iludi-los, para ser mais gentil. É que não sei que pensar quando assisto, incrédulo, à viragem retórica a favor de “políticas de crescimento de emprego” sem que se explique, minimamente, como se poderá chegar a esse crescimento e emprego. Isto é válido para Portugal, é válido para a Europa e é válido para a cimeira do G8.
É compreensível que os dirigentes políticos, tendo de enfrentar eleitorados descontentes – quando não furiosos -, procurem retóricas novas. Admito até que seja necessário falar mais da luz ao fundo do túnel e menos do túnel. Mas não se devem vender ilusões: no estado em que está Portugal, no estado em que está boa parte da Europa, supor que é possível regressar a curto prazo ao “crescimento e emprego” ou abandonar as chamadas políticas de austeridade não tem suporte na realidade. Aliás convém ter presente que, apesar de toda esta dita austeridade, os gastos públicos no conjunto da zona euro cresceram sete por cento (excluindo a inflação) entre 2008 e 2011.
Comecemos porém por tentar perceber de que crescimento falamos quando falamos de crescimento. Como não sou economista, vou recorrer a uma distinção feita por Pedro Pita Barros, da Faculdade de Economia da Universidade Nova, no seu blogue Momentos Económicos. Ele distingue o crescimento de curto prazo, no imediato, que “só pode ser feito aproveitando capacidade produtiva disponível e não utilizada”. É este crescimento que a austeridade afecta, mas trata-se de um crescimento baseado num consumo que, no nosso caso concreto, agravaria ainda mais a balança comercial, pois não beneficiaria apenas as empresas portugueses, também implicaria o aumento das importações. Mais: o “crescimento de curto prazo, por aumento da despesa – investimento – pública, resultaria em expansão (ou menor contracção) dos sectores favoritos, mas findo o período de expansão ter-se-ia novamente a questão de como obter crescimento de forma mais permanente”. Ou seja, teríamos mais défices e dívidas sem garantias de ter, depois, crescimento sustentável.
Já para termos crescimento de longo prazo “tem que ocorrer com novo investimento produtivo, o que demora tempo e exige fundos para esse investimento”. Este crescimento não é incompatível com a austeridade, pelo contrário: “A expectativa é que esta permita novo investimento produtivo privado, com mobilidade de trabalhadores (via desemprego, infelizmente) de uns sectores de actividade (em contracção) para outros (em expansão)”. Ou seja, após um período doloroso, abre-se a possibilidade de empresas mais competitivas assegurarem um crescimento mais sustentado.
Durante as últimas décadas, sob sucessivos governos, Portugal tudo fez para assegurar o crescimento de curto prazo – muitas vezes indo ao ponto de subsidiar empresas inviáveis – e acabámos sem crescimento e cheios de dívidas. Há um ano começámos a tentar seguir um caminho diferente, por necessidade, talvez também por ideologia – e não acho nada mal que exista ideologia, é para isso que se fizeram os partidos -, e é ainda muito cedo para avaliar os resultados. Algo, no entanto, devíamos admitir: regressar a qualquer modelo de curto prazo em nome de uma renascida retórica “do crescimento e do emprego” não é alternativa. Gostemos ou não de o dizer com frontalidade, melhor crescimento no futuro passa por austeridade no presente, e se alguma coisa está longe de acontecer com as políticas do actual Governo é termos a garantia de que os cortes já efectuados são permanentes e que a despesa pública não regressa a galope mal se alivie o actual aperto.
Os portugueses estão fartos de políticas de austeridade que levam a novas políticas de austeridade. Andam nisso há mais de dez anos. E andam nisso porque houve sempre quem decidisse desapertar o cinto cedo de mais: Santana Lopes depois do rigor de Ferreira Leite, Sócrates à procura de reeleição em 2008/2009. O preço que estamos a pagar é elevadíssimo, querer repetir o erro quando ainda não chegámos a metade do período de ajustamento negociado com a troika é de quem não aprendeu nada com erros recentes.
Depois, é preciso não ter ilusões: não há nenhuma varinha mágica do crescimento na União Europeia, com ou sem Merkel, com ou sem Hollande. Por uma razão simples, transparente para quem leia a imprensa internacional: todos os programas que estão a ser discutidos não implicam dinheiro novo, porque este não existe e ninguém se quer endividar mais (sendo que muitos nem crédito têm). Ora sem ovos não se fazem omeletas.
Pretende-se, por exemplo, duplicar a capacidade de investimento do BEI. Óptimo. Mas isso significa que ela passará de 0,5 para um por cento do PIB europeu. Quase nada. Quer-se reafectar os fundos europeus não gastos. Óptimo também. Mas estamos a falar de montantes idênticos, isto é, igualmente muito reduzidos. (Dados de Charles Wyplosz, professor de Economia Internacional em Genebra, em VoxEU.org).
Por outro lado, se a Alemanha (a malvada Alemanha) aumentasse o seu défice público em um por cento do PIB (muitos reclamam que a sra. Merkel gaste mais), isso apenas acrescentaria, na melhor das hipóteses, 0,1 por cento ao PIB de países como a Irlanda ou a Grécia. Nada, portanto (cálculo de Amit Kara, economista no UBS, Wall Street Journal).
E fala-se, claro, de eurobonds. Pessoalmente não é um modelo que me agrade, pois penso que implicaria um nível de integração política insuportável numa União Europeia onde não existe (e eu não acredito que possa existir nas próximas décadas) uma democracia transnacional. No entanto, mesmo aceitando as eurobonds, estas, como ontem se explicava neste jornal, só seriam realmente efectivas em modelos que levarão vários anos a pôr no terreno. Não é por elas que virá o crescimento com que querem aliviar a austeridade.
Já aqui denunciei, há umas semanas, a vacuidade enganadora de promessas como as de “um novo Plano Marshall”, uma ideia que, felizmente, não reapareceu na cimeira informal da passada quarta-feira. Agora temos só agendas “para o crescimento” que talvez ajudem a ganhar eleições mas não ajudam muito a resolver os problemas reais da falta de competitividade de muitas economias europeias. Pior: em vez de se trabalhar para conseguir diminuir os impostos – a melhor maneira de promover um crescimento económico baseado na inovação e na competitividade -, não param as conversas sobre novos impostos. Basta pensar que esta semana o Parlamento Europeu aprovou a famosa taxa sobre as transacções financeiras que visa extorquir mais 57 mil milhões de euros aos contribuintes do Velho Continente. Assim não vamos longe. Não vamos mesmo a parte nenhuma.
PS1: Por razões óbvias (fui director deste jornal), e por não conhecer em detalhe o que se passou no interior do PÚBLICO, não comento o caso Relvas. Apenas digo que um ministro que, bem ou mal, com ou sem razão, se vê envolvido, devido a um comportamento impróprio, numa controvérsia como esta é um ministro que faz mal ao seu Governo e à sua maioria. Goste-se ou não, em política o que parece, é, e Relvas parece que esteve muito mal. Deve tirar as consequências.
PS2: Tenho visto acusar a proposta do CDS de introdução de taxas moderadoras nos abortos voluntários de ser “ideológica”. Eu gostava era de saber se também não é “ideológico” não cobrar taxas nesses abortos por escolha quando estas até existem para as cirurgias que os doentes não podem escolher fazer ou não fazer.
Título e Texto: José Manuel Fernandes, no blogue “Blasfémias”, 25-05-2012

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