quarta-feira, 23 de maio de 2012

A estratégia da Austrália


Do topo, em sentido horário: Ópera de Sydney e centro financeiro da cidade em Port Jackson; Praia Bondi; Ponte da Baía de Sydney; Porto Darling; Ópera de Sydney; e Universidade de Sydney. Fonte: Wikipédia
George Friedman
A Austrália é um dos países mais ricos do mundo, e está situada entre os 10 maiores rendimentos per capita do planeta. Ela é, entre os principais países do mundo, o que está mais isolado, ocupando um continente inteiro que é difícil de ser invadido e raramente é ameaçado. Normalmente, um país relativamente abastado e isolado acaba se envolvendo em muitas guerras originadas da ambição de outros em conquistá-lo. Este não é o caso da Austrália e, o mais interessante, o país não tem persistentemente enfrentado tais conflitos contra inimigos externos agressores, mesmo sob uma pluralidade de governos. A ideologia, no caso, não explica tal fenômeno.
Desde 1900, a Austrália tem se engajado em diversas guerras e outras intervenções militares (incluindo a Guerra dos Boers, a 1ª Guerra Mundial, a 2ª Guerra Mundial e as guerras da Coréia, do Vietnã, do Afeganistão e do Iraque) com uma total duração de cerca de 40 anos. Veja de outra forma, a Austrália tem estado em guerra por mais de um terço do tempo desde que ingressou na ‘British Commonwealth’ em 1901. Em apenas uma de tais guerras, a 2ª Guerra Mundial, teve a sua segurança nacional diretamente ameaçada, e mesmo então uma grande parte de sua atuação militar se deu mais em locais como a Grécia e o norte da África do que na defesa direta do seu território-continente. Isso nos faz querer saber por que um país tão rico e aparentemente tão seguro quanto a Austrália teria participado em tantos conflitos.

A importância das rotas marítimas
Para entender a Austrália, deve-se começar reparando que seu isolamento não a torna necessariamente segura. As exportações, particularmente de mercadorias primárias, têm sido essenciais à Austrália. Da lã exportada para a Inglaterra em 1901 ao minério de ferro exportado à China hoje, a Austrália tem tido que exportar mercadorias para financiar a importação de produtos industrializados e serviços em excesso dos quais sua população poderia produzir por si mesma. Sem tal comércio, a Austrália não poderia ter sustentado seu desenvolvimento econômico chegado ao padrão de vida extraordinariamente alto que hoje desfruta.
Isso nos leva ao problema estratégico da Austrália. A fim de sustentar sua economia, ela tem que comercializar, e devido ao local em que se situa, seu comércio internacional é feito forçosamente pelo ar e principalmente pelo mar. A Austrália ainda não está numa posição de, por si mesma, garantir a segurança de suas rotas marítimas, devido ao tamanho reduzido de sua população e sua localização geográfica. A Austrália, portanto, enfrenta para isso dois obstáculos. O primeiro, é que ela tem que permanecer competitiva nos mercados mundiais para as suas exportações. O segundo, é que ela tem que garantir que suas mercadorias chegarão a tais mercados. Caso suas linhas marítimas sejam cortadas ou interrompidas, os fundamentos da economia australiana estarão em risco.
Imagine a Austrália como sendo uma criatura cujo sistema circulatório principal se situa na parte externa do seu corpo. Tal criatura seria extraordinariamente vulnerável e teria que desenvolver mecanismos de defesa ímpares e únicos. Tal desafio parece ter guiado a estratégia australiana.
Por um lado, a Austrália deve estar alinhada com – ou pelo menos não hostil a – a potência marítima global líder. Na primeira parte da história da Austrália, tal potência era a Grã Bretanha. Mais recentemente, os Estados Unidos exercem o papel principal de aliados dos australianos.  A dependência da Austrália do comércio marítimo significa que ela nunca poderá simplesmente se opor aos países que controlam ou garantem o livre funcionamento das rotas marítimas das quais ela depende; a Austrália não pode se dar ao luxo de dar à principal potência marítima global qualquer motivo que interfira com seu acesso às citadas rotas.
Por outro lado, e mais difícil, a Austrália necessita induzir as principais potências marítimas a proteger os interesses australianos de forma a mais ativa possível. Por exemplo, assumir que as rotas das quais, em particular, a Austrália depende para despachar suas mercadorias a seus clientes tenha pontos de estrangulamento muito além da zona de capacidade e influência do país. Assumir mais adiante que a principal potência marítima não tem interesse direto nesses pontos de estrangulamento. A Austrália tem que estar apta a convencer a principal potência do mar sobre a necessidade de manter tais rotas abertas. Ter apenas meras relações amigáveis não será o bastante para conseguir isso. A Austrália tem que tornar a principal potência marítima e aérea dependente delas de modo que a Austrália tenha algo a oferecer ou a retirar com a finalidade de moldar o comportamento da principal potência.

Criando dependência
Diferentemente da Austrália, as potências marítimas estão continuamente se envolvendo em conflitos – frequentemente regionais e por vezes globais. Os interesses globais aumentam a probabilidade de atrito, e as potências globais causam medo. Há sempre um país em algum lugar com o interesse em remoldar o equilibro de poder regional, seja para se proteger ou para estabelecer concessões da potência global.
Outra característica das potências globais é a de que elas sempre buscam alianças. Isto se dá em parte por razões políticas, a fim de criarem uma estrutura de gerenciamento de seus interesses de forma pacífica. Também isso ocorre por razões militares. Pela propensão de uma principal potência entrar em guerra, existe sempre a necessidade de forces adicionais aliadas, bases militares e recursos de todos os tipos. Uma nação que esteja em posição de contribuir com sua participação aliada na guerra de uma potência global estará em posição de assegurar concessões e garantias de seus próprios interesses. Para um país como a Austrália que é dependente das rotas marítimas para a sua sobrevivência, a capacidade de estabelecer compromissos e alianças com uma principal potência mundial aérea e marítima é vital para proteger seus interesses comerciais e sua própria segurança.
O engajamento na Guerra dos Boers em parte se deu pela ideologia australiana de ser uma colônia britânica, mas, na realidade, a Austrália tinha pouco interesse direto no resultado dessa guerra. Era também baseada no reconhecimento da Austrália de que ela necessitava apoio britânico como um freguês e garantidor de sua segurança. O mesmo pode ser dito com relação às guerras da Coréia, do Vietnã, do Iraque e do Afeganistão. A Austrália pode ter tido algum interesse ideológico em tais guerras, mas sua segurança nacional diretas esteve apenas marginalmente em questão com elas. Entretanto, a participação australiana nessas guerras ajudou a fazer com que os EUA se tornassem até certo ponto dependentes da ajuda australiana, que, por sua vez, induziu a potência global estadunidense a garantir os interesses australianos.
Houve também guerras que podiam ter sido concluídas com uma transformação do sistema global. A 1ª e a 2ª Guerras Mundiais foram tentativas de algumas potências de derrubar a ordem global existente e substituí-la por outra diferente. A Austrália emergiu da antiga ordem política e enxergou a perspectiva de uma nova ordem tanto imprevisível como potencialmente perigosa. A participação da Austrália em tais guerras se deu ainda em parte por causa da vontade de fazer com que outras potências se tornassem dependente de sua ajuda e aliança, mas isso também teve a ver com a preservação do sistema internacional que servia bem aos interesses da Austrália (na 2ª Guerra Mundial houve também um elemento de autodefesa: a Austrália necessitava se proteger do Japão e certamente de um Oceano Pacífico sob o controle imperial nipônico e talvez até de um Oceano Índico nas mesmas condições).

Estratégia alternativa
A Austrália frequentemente tem sido tentada pela ideia de se afastar da potência global e aumentar a proximidade com seus fregueses. Este tem sido especialmente o caso desde que os EUA substituíram a Inglaterra como a principal potência marítima. No período pós 2ª Guerra Mundial, na medida em que a atividade econômica asiática se expandia, a demanda asiática aumentava para as matérias primas australianas, desde alimentos a minerais industriais, primeiro o Japão e depois a China se tornaram os principais fregueses da Austrália.
A alternativa australiana (isolamento à parte, que seria economicamente insustentável) era a de quebrar ou de limitar seus laços com os americanos e de forma crescente basear sua segurança nacional no Japão ou, mais tarde, na China. A teoria era a de que a China, por exemplo, era a potência emergente e era essencial aos interesses australianos em razão de suas importações maciças de minério e alimentos, recursos esses que poderiam manter o país seguro com relação aos demais. O preço do relacionamento com os EUA – envolvimento nos conflitos americanos – era alto. Portanto, tal estratégia alternativa teria limitado a exposição da Austrália às exigências americanas enquanto cimentava seu relacionamento com seu principal freguês, a China.
Tal estratégia faz sentido para quem analisa o problema superficialmente, mas há duas razões pelas quais a Austrália, embora tenha considerado essa estratégia, tenha desistido de segui-la. A primeira é o exemple do Japão. O Japão parecia ter se tornado uma potência econômica dinâmica e permanente. Mas, na década de 1990, os nipônicos mudaram seu comportamento, e seu apetite pelas mercadorias australianas estagnou. As relações econômicas dependem da capacidade do freguês comprar, e isso depende do ciclo de negócios, da estabilidade política, da moeda, e assim por diante. Uma estratégia que criasse um único relacionamento entre a Austrália e o Japão rapidamente se tornaria insatisfatória. Caso, como se acredita, a China se visse no meio de uma recessão ou mesmo de uma desaceleração econômica, entrar num relacionamento estratégico com o gigante asiático seria também um erro, ou pelo muito menos, um jogo de azar.
A segunda razão pela qual a Austrália não mudou sua estratégia é a de que, não importa qual o relacionamento o país viesse a ter com a China ou com o Japão, as rotas marítimas estavam sob o controle dos Estados Unidos. Np evento de um atrito com a China, os EUA, ao invés de garantirem o funcionamento de tais rotas para a Austrália, poderia escolher bloqueá-las. No frigir dos ovos, a Austrália pode vende a tantas nações, mas ela tem que usar sempre as mesmas rotas marítimas. Destarte, ela tem consistentemente optado em manter suas relações com a Inglaterra e com os EUA ao invés de se comprometer com qualquer freguês regional isoladamente.
A Austrália está numa situação de alto risco, estando ao que parece apenas superficialmente segura. Suas opções são se alinhar com os EUA e aceitar a sobrecarga militar que isso representa, ou se comprometer com a Ásia em geral e a China em particular. Até que chegue a era em que uma potência asiática venha tomar dos americanos o poder de garantir as rotas marítimas -- uma era que parece ainda distante no futuro – trilhar o segundo caminho envolveria riscos piramidais. Acrescente-se a isso o fato de que o relacionamento dependeria de um future inceto das economias asiáticas – e todos os futuros econômicos parecem agora incertos – e a Austrália acertadamente parece ter escolhido a abordagem de menor risco.
Tal abordagem tem três componentes. O primeiro consiste em aprofundar as relações econômicas com os Estados Unidos para equilibrar suas dependências econômicas com a Ásia. O segundo em participar como aliado nas guerras engendradas pelos americanos com o fim de obter garantias dos EUA para as suas rotas marítimas. O componente final consiste em criar forces regionais capazes de com eventos fora, porém próximos, da Austrália, desde as Ilhas Salomão até pelo arquipélago indonésio afora. Mas, mesmo aqui, as forces australianas dependem da cooperação americana para gerenciar as ameaças.
A estratégia australiana, pois, envolve o alinhamento com a principal potência marítima, como foi antes com a Inglaterra e como é agora com os Estados Unidos da América, e isso implica na participação australiana em suas guerras. Começamos por perguntar por que um país tão rico e seguro como a Austrália se envolveria em tantas guerras. A resposta é que sua riqueza não está tão segura quanto parece.
Título e Texto: George Friedman, 22-05-2012
Tradução: Francisco Vianna
Artigo original, em inglês, aqui.

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