terça-feira, 22 de maio de 2012

Quando a vez é do ladrão

Carlos Lúcio Gontijo
Desde 1977, toda vez que lançamos um livro nos deparamos com a dura realidade da não existência de política voltada para a produção literária. É inexplicável, por exemplo, o fato de os autores independentes pagarem pela impressão de seus livros e, ao enviar exemplares para divulgação em escolas e bibliotecas públicas ou comunitárias, ter que enfrentar as altas taxas cobradas pelo Correio brasileiro.
Ilustração: Raoni Julian
Não foi diferente agora com a edição do romance “Quando a vez é do mar”, que foi enviado a diversas cidades do Brasil e até do exterior, sob o régio pagamento feito com nossos próprios recursos e sem qualquer subsídio, como se o autor estivesse sendo alvo de uma cruel punição oficial, pela ousadia de escrever em país de tão poucos leitores.
Pois bem, numa dessas remessas de livros, houve um curioso e inesperado assalto a carteiro, com os ladrões surrupiando 18 livros no paradisíaco solo de Camboriú, em Santa Catarina. O Correio nos devolverá a quantia relativa ao valor declarado mais a tarifa de postagem, mas fica a sensação de impotência diante do quadro de violência que assola a nação brasileira.
Infelizmente, não chegamos ao estágio de assistir a ladrões roubando livros por obsessão pela leitura, pois o que ocorreu é fruto do crescimento da venda pela internet e o consequente aumento de entrega de mercadoria pelo serviço de correio, transformando os carteiros em alvo fácil para os assaltantes. Foi o que se deu em Camboriú, onde os exemplares do romance “Quando a vez é do mar” chegaram quando a vez era literalmente dos ladrões.
Aliás, é bom que se diga, que pela dificuldade em se apurarem casos como os do contraventor Carlinhos Cachoeira, somos levados a acreditar que os ladrões são figuras realmente prestigiadas por todos os setores da sociedade brasileira, não escapando nem mesmo a grande mídia brasileira, que se alicerça em parâmetros seletivos dentro de sua decantada missão investigativa. Ou seja, costuma agir com parcialidade, fazendo uso político de seu acervo de informações, conforme deixamos grafado no romance “Jardim de Corpos” editado em 2009.
Tudo no Brasil se nos apresenta sob a égide do levar vantagem em tudo, princípio comportamental pelo qual se explica a total falta de princípios. Nem mesmo as festejadas feiras do livro Brasil afora se salvam do signo da desonestidade e da esperteza. Não raro, os autores verdadeiros, os idealistas batalhadores do mundo das letras, são chamados a cumprir o papel de bela cereja a enfeitar e legitimar o bolo (no sentido de bolada) que será dividido com os bafejados pela sorte de contar com o apoio dos holofotes da grande mídia.
Prova inconteste disso foi o que se verificou na7ª Feira do Livro de Bento Gonçalves, neste mês de maio de 2012. A feira, que contava com recurso total de R$220 mil para sua realização, houve por bem destinar R$170 mil ao “escritor” Gabriel O Pensador, elevado à condição de patrono da feira. A quantia em total discrepância com a disponibilidade de recursos levou o escritor Fabrício Carpinejar a desistir de participar do encontro, enquanto o Ministério Público resolveu barrar o pagamento, analisado como incompatível com os gastos totais da conceituada feira. O problema, claro, não estava no cachê a ser recebido por Gabriel O Pensador, mas na sua disparidade diante dos recursos de que a feira dispunha, descortinando-nos uma visão imperial, onde ao rei não interessa o que acontece com os súditos. Mas tal imbróglio é coisa de peixe grande: os tubarões-martelo do pregão cultural, que se dão ao direito de abocanhar quase todo o montante dos famigerados parcos recursos investidos em cultura pelo governo brasileiro. E ai de quem tentar mexer para fatiar mais democraticamente o bolo!
Enfim, na condição de autor independente há 35 anos, só nos resta mesmo prosseguir em nossa caminhada. No dia oito de junho, lançaremos o romance “Quando a vez é do mar”, em Santo Antônio do Monte, centro-oeste de Minas Gerais. Depois, em agosto, iremos a Teresina, no distante e hospitaleiro Piauí. E entre um lançamento e outro, continuaremos a postar exemplares de livros pelo Correio, ainda que a vez se nos revele, explicita e desabridamente, do ladrão. 
Título e Texto: Carlos Lúcio Gontijo, poeta, escritor e  jornalista

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