terça-feira, 31 de julho de 2012

Humanidade, dúbio conceito

Alberto Gonçalves
Segundo notícias, a crise fez aumentar a quantidade de animais de estimação abandonados. A crise tem as costas largas. Conheço muito bem gente muito pobre que, nem sei como, alberga quinze bichos em casa, e nem todas as crises que já experimentaram os convenceram a largá-los na rua.
É o que sucede com os crimes, para citar uma lenda corrente. É comum atribuir-se aos apertos económicos uma escalada na taxa de assaltos ou homicídios. Porém, a relação é negada pelos indicadores estatísticos disponíveis e pelo bom senso. Nenhum cidadão digno desata a roubar ou a matar o semelhante apenas porque empobreceu, por mais extrema ou até injusta que seja essa pobreza. A ocasião não faz o ladrão, que se não nasceu feito fez-se algures no caminho, fruto do exemplo, do acaso ou do carácter.
Os sujeitos que eliminam fauna caseira a pretexto da austeridade são os mesmos que a enxotariam a pretexto das férias ou do que calhasse. A crueldade é um vício. A estupidez é uma marca. Freud lembrava que a devoção de um cão ao dono é o único amor incondicional. Por definição, a inversa não é obviamente verdadeira. De resto, e a benefício da clareza, não reivindico leis que castiguem quem larga bichos por conveniência: a decência não se alcança por decreto. Só gostaria que, se me perdoarem nova citação, a certeza de Milan Kundera de que o cão é o elo do homem com o Paraíso estivesse realmente certa, e que aqueles que quebram o elo acabassem no lugar que merecem. Mas sou um descrente, dos homens e da justiça divina.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias


Relacionado:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-