quarta-feira, 25 de julho de 2012

"Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal"

Depois das palavras que o primeiro-ministro teve a ousadia de dizer, sentem-se mentes agitadas e antecipam-se análises de todo o calibre

Passos Coelho, 1º de maio de 2012, foto: Lusa
Carlos Carreiras
Cinco anos depois de ter abandonado o poder, Tony Blair deu uma extensa entrevista ao “Financial Times”. Na conversa com um dos directores do jornal, sem misericórdia, Blair foi questionado sobre os milhões de libras que amealhou desde que fez as malas do nº 10 de Downing Street. A lista de actividades de Blair é quase tão extensa como os zeros na sua declaração de rendimentos: mediador de conflitos (enviado especial do Quarteto para o Médio Oriente), Tony Blair gere duas fundações (a Blair Faith Foundation e a Blair Sports Foundation) e lidera ainda a Africa Governance Initiative. Ao lado filantrópico do seu trabalho, soma (ou somou) contratos milionários com a JP Morgan (3,2 milhões/ano), discursos pagos a peso de ouro e serviços de aconselhamento estratégico a empresas e países através da sua Tony Blair Associates.
Por esta altura, interrogar-se-á o leitor, o que é que Tony Blair tem que ver com o título deste artigo? Tudo e nada. Blair, tal como Bill Clinton, Gerhard Schroeder ou Alan Greenspan, só para citar alguns, faz parte de uma elite que governou o mundo e hoje se dedica a vender recomendações sobre como o mundo deve ser governado. Paradoxalmente, o julgamento benévolo que a história faz deles tem sido inversamente proporcional ao estado de coisas que nos deixaram. Greenspan, governador da Reserva Federal, manteve taxas de juro incrivelmente baixas, administrando esteróides à economia americana e gerando uma bolha no imobiliário que viria a estoirar mais tarde. Clinton, tal como o libertário Greenspan, desdenhou a regulação financeira e foi um dos presidentes americanos mais amigos do capitalismo selvagem – tendência seguida pelo seu sucessor George W. Bush, que viu a economia americana desabar a seus pés. Na Europa, Blair deixou para a história a “Broken Britain”, e Schroeder, antigo chanceler alemão, é acusado de ter assinado de cruz a entrada da Grécia no euro. Exemplos, à esquerda e à direita, da política ou da finança, de homens cujas opiniões são atentamente escutadas. Como se tivéssemos esquecido que, de uma forma ou de outra, a eles devemos parte do caos em que vivemos mergulhados. Adivinha-se que Sarkozy, Zapatero ou mesmo Berlusconi acabem por ganhar a mesma respeitabilidade com o passar do tempo. Todos falharam, sem excepção, precisamente porque governaram para as eleições ou para garantir o seu lugar na história.
Eles são a versão internacional daqueles a quem, em Portugal, obedientemente tratamos por senadores. Vendem recomendações sobre como Portugal deve ser governado, esquecendo como eles próprios exerceram a governação – seria um exercício interessante coloca-los a comentar a história do seu exercício político.
Foi graças a eles que, durante muito tempo, Portugal não foi um país normal. Anestesiada pelo politicamente correcto, adormecida por uma certa forma de estar na vida pública, a nação foi habituada pelo próprio poder a conviver mal com a normalidade, com a verdade, com a realidade. Ao derrotar o Partido Socialista nas últimas legislativas, os portugueses disseram basta a este modo de vida. Não querem que lhes seja servida uma percepção de mudança: querem uma mudança a sério. É essa mudança que, um ano depois de ter tomado posse, Pedro Passos Coelho tem oferecido ao país. Uma mudança que, ninguém esconde, é dura.
Depois das palavras que oprimeiro-ministro teve a ousadia de dizer, sentem-se mentes agitadas e antecipam-se análises de todo o calibre. Gente que talvez precise de ser lembrada dos princípios da conduta normal de um homem de Estado. Passos Coelho só verbalizou a confirmação da normalidade política. Eu, político com eleições em 2013, estou incondicionalmente ao lado do primeiro-ministro: entre os interesses do partido e os interesses do país, prevalecem os do país; entre as ambições dos políticos e as necessidades dos portugueses, sacrificam-se as primeiras. Que se lixem as eleições, o que importa é Portugal e os portugueses.
Título e Texto: Carlos Carreiras, Presidente do Instituto Francisco Sá Carneiro, jornal “i”, 25-7-2012

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