sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Normalidade

Bruno Alves
Num recente episódio da série Mad Men, uma das personagens pergunta “quando é que as coisas vão voltar ao normal?”. A série passa-se na América dos anos 60, mas a pergunta poderia ser feita, hoje, por um português. A resposta seria provavelmente a mesma: nunca. “A excepção é a nova normalidade”, se for preciso um ‘slogan’.
Com a ‘troika' de visita a Portugal esta semana, com o propósito de avaliar o cumprimento do programa de resgate, não falta quem insista na necessidade de se rever o "memorando de entendimento", de desistir da "insistência" na "austeridade", e de "apostar" no "crescimento". Falta-lhes o juízo para perceber que perderiam a aposta. Para "investir", o Estado precisa ou de cobrar mais impostos, que dificultarão a vida à classe média e que mais depressa farão fugir os ricos do que fazê-los pagar mais, ou de se endividar. E quem é que emprestará dinheiro a um Estado já excessivamente endividado, numa conjuntura como a actual, a não ser com juros quase proibitivos?
É claro que se poderia ir buscar dinheiro a outro sítio: ao contrário do que a sabedoria popular nos ensina, o dinheiro até cresce nas árvores. Apenas quanto mais se colhe, menos valor ele tem. Se o Governo português quiser injectar dinheiro na economia, "só" tem de pedir ao BCE que o imprima, ou sair do euro e dar uso às velhinhas impressoras de escudos do Banco de Portugal e da Casa da Moeda. A primeira "proposta" não depende da vontade do Governo, e portanto, ao contrário do que o PS parece julgar, não constitui um programa político para Portugal, apenas a expressão de um desejo de que a Alemanha continue alegremente a pagar os nossos desvarios; a segunda permitiria ultrapassar esse "obstáculo", mas partilha com a primeira o problema de que mais dinheiro não significa forçosamente maior riqueza. Poderia haver mais dinheiro a circular, mas esse dinheiro teria menos valor. O pouco que as pessoas comuns conseguiriam poupar valeria ainda menos. Os que ainda vão recebendo um salário veriam esse salário representar menos poder de compra. Haveria mais dinheiro, mas o empobrecimento seria maior.
Agora que se avizinha o debate sobre o Orçamento do Estado, conviria tomarmos consciência da realidade: nas circunstâncias actuais, é impossível acabar com a "austeridade". Esta não é resultado de uma escolha de uns senhores maldosos no Governo que querem que os portugueses empobreçam, é a consequência lógica de vivermos num país pobre a quem já ninguém quer emprestar o dinheiro necessário para fingir que não o somos. Com cortes de impostos ou cortes na despesa, com aumentos de impostos ou aumento do "investimento público", com ‘troika' ou sem ‘troika', com euro ou sem euro, os portugueses vão continuar a empobrecer. Quem disser o contrário, ou mente ou não vive neste mundo.
Título e Texto: Bruno Alves, Doutorando IEP-UCP, Diário Económico, 31-8-2012

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