O Portugal contemporâneo não é um doente
imaginário, mas é um enfermo profissional
Nuno Rogeiro
A memória é curta, por isso urge recapitular a
matéria dada. Os memorandos de entendimento com a troika, celebrados pela
versão 2011 do regime, destinavam-se a curar, o mais rapidamente possível, uma
doença aguda.
Mas os próprios documentos rubricados com o trio
BCE/FMI/CE reconheciam, expressamente, que a maleita súbita se dava num doente
crónico. A febre alta do Portugal socrático não era uma causa, mas uma
consequência. Na verdade, o País endividava-se porque não produzia o
suficiente, não poupava o suficiente, não crescia o suficiente, não competia o
suficiente, não inventava, criava ou desenvolvia o suficiente. E porque, ao
lado destas insuficiências, criava maus hábitos, dependências e vícios, podendo
sempre menos do que aquilo que queria, gastando sempre mais do que aquilo que
devia, devendo sempre mais do que aquilo que pagava.
Ou seja: nos acordos de resgate reconhecia-se que
a ajuda urgente servia para atacar tragédias conjunturais, mas que o mal
originário era permanente, histórico, “estrutural”.
Uma narrativa tranquilizadora, promovida por
muitos corifeus deste sistema (no poder ou na oposição, o que, nos partidos,
vai dar ao mesmo), diz-nos que as aludidas “doenças”, a começar pelo “despesismo”,
foram sempre contraídas por uma boa causa: mais justiça, mais igualdade, mais
fraternidade.
Onde estão esses resultados, porém? Ao lado do
progresso material evidente das últimas décadas (Podia ser melhor? Podia ser
pior?), temos o agravamento de muitos problemas de desigualdade, de injustiça,
de formação deficiente, de ódio social, de egoísmo, de envelhecimento, de
pobreza, de bens desnecessários abundantes e essenciais escassos, e um largo e
negro pessimismo.
As visitas regulares da junta médica que, com
juros, trata da saúde ao Estado (e seus dependentes) permitem controlar o
tratamento da afecção aguda. Mas o doente crónico precisa de mais, e de algo
diferente: ou recria as bases de uma vida saudável ou esta troika é só o
prelúdio da próxima.
Claro que estar doente na Europa de hoje não é
confortável. A rede de segurança desapareceu. Os dias em que a “Europa” rimava
com oportunidade, sonho e progresso foram-se. No dia 5 de julho, no Reino
Unido, anunciou-se o vencedor do novo Prémio Económico Wolfson, criado em 2010.
Com cerca de 300 mil euros, é o mais importante depois do Nobel. A que se destina
o troféu? A recompensar o teórico ou prático que planeie a mais ordenada saída
da União Europeia.
O galardoado deste ano, Roger Bootle, da Capital
Economics, propôs uma solução simples: negociação em segredo, anúncio em cima
da hora, regresso à moeda antiga, renegociação das dívidas.
Mas tudo isto só é vantajoso para quem sai, se
este puder depois multiplicar imenso a produção e exportação, aproveitando a
desvalorização da moeda, e aceitar trabalhar mais por menos.
Ou seja: no euro ou fora dele, não há soluções sem
dor. Nem receitas mágicas. E sobretudo não se cura quem tiver como única
profissão o ser doente.
Título e Texto: Nuno Rogeiro, Sábado,
nº 435, de 30-8 a 05-9-2012
Digitação: JP
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