A edição de VEJA desta semana
traz uma primeira e uma última páginas especialmente eloquentes. As duas têm
como norte uma sociedade livre, em que o estado está a serviço da sociedade,
não o contrário. As duas falam de um mundo em que as leis democráticas põem
limites nos políticos e nos partidos, e não o contrário. Servem como balizas,
sim, do que vai entre elas — e assim tem sido há décadas. E assim será. Leiam o
primeiro texto editorial desta edição, a “Carta ao leitor”, intitulada “O mesmo
grau de certeza”. Volto em seguida.
Foi extraordinária, em todos os sentidos, a repercussão da reportagem
de capa de VEJA da semana passada, com o publicitário mineiro Marcos Valério, o
pivô financeiro do mensalão. VEJA trouxe revelações bombásticas de Valério
sobre o papel central do ex-presidente Lula nas operações que resultaram em um
escândalo que, por pouco, não lhe custou o mandato presidencial.
O ex-presidente Lula manteve-se calado. Marcos Valério também não se
pronunciou. São dois casos de silêncio ensurdecedor.
Em contraste, os partidos da base de sustentação do governo protestaram
e os de oposição emitiram notas exortando VEJA a tornar públicas as evidências
materiais que embasaram a publicação das contundentes declarações do
publicitário mineiro.
Os partidos que enxergam nas
revelações de Marcos Valério vantagens políticas podem proceder como quem
vislumbrou essas mesmas propriedades no depoimento de Pedro Collor trazido a
público vinte anos atrás e que culminaram com o impeachment do irmão, Fernando
Collor.
Da mesma forma, quem se sentiu prejudicado do homem do dinheiro do
mensalão tem a possibilidade de interpelá-lo publicamente ou procurar reparação
na Justiça. Marcos Valério está vivo e tem endereço conhecido. A mensagem é de
Marcos Valério. VEJA foi a mensageira.
O grau de certeza de VEJA em relação ao conteúdo da reportagem com
Marcos Valério é o mesmo que a revista tinha quando publicou, em 1992, a capa “Pedro Collor conta tudo”. Tanto em um caso
quanto no outro, VEJA cumpriu sua missão de informar com fidelidade, coragem e
espírito público fatos testemunhados por pessoas com grande intimidade com
o poder.
Existe outro paralelo entre a reportagem de VEJA com Pedro Collor e a
de agora com Marcos Valério. Ambas são estrondosas por reunirem declarações que
deram materialidade a situações sobre as quais já tinham sido levantados
diversos detalhes significativos, porém esparsos. Ficava faltando um demiurgo
com informações privilegiadas capaz de amarrar todos os eventos, dando-lhes
coerência. Foi o que Pedro Collor fez em 1992 e, na semana passada, Marcos
Valério.
Retomo
A última página traz um artigo
de José Roberto Guzzo intitulado “Só com censura”. É eloquente o bastante
para dispensar comentários adicionais. Isso é com vocês!
Para o seu próprio sossego
pessoal, o ex-presidente Lula, seus fãs mais extremados e os chefes do PT
deveriam pôr na cabeça, o mais rápido possível, um fato que está acima de
qualquer discussão: só existe um meio que realmente funciona, não mais que um,
para governos mandarem na imprensa, e esse meio se chama censura. Infelizmente
para todos eles, essa é uma arma de uso privativo das ditaduras — e nem Lula,
nem o PT, nem os “movimentos sociais” que imaginam comandar têm qualquer
possibilidade concreta de criar uma ditadura no Brasil de hoje. Podem, no fundo
da alma, namorar a ideia. Mas não podem, na vida real, casar com ela. Só perdem
seu tempo, portanto, e se estressam à toa quando ficam falando que a mídia
brasileira é um lixo a serviço das “elites”; há dez anos não mudam de ideia e
não mudam de assunto. Bobagem. O que querem mesmo é impedir que esta revista,
por exemplo, publique reportagens como a matéria de capa de sua última edição,
com as declarações de Marcos Valério sobre o envolvimento direto de Lula no
mensalão. Ficam quietos porque têm medo de que sejam publicadas as fitas
gravadas com tudo aquilo que ele disse, e as coisas piorem ainda mais. Mas o
seu único objetivo real é este: eliminar as informações que desejam esconder.
Até agora, o plano mais
ambicioso que lhes ocorreu para chegar aonde querem foi propor algo que chamam
de “controle social” da mídia: não conseguem explicar bem o que seria isso na
prática, mas nem é preciso que expliquem. O problema do PT, nessa história
toda, é simples: “controle social” é algo que não existe no mundo dos fatos. Na
vida como ela é, só têm controle verdadeiro sobre um órgão de imprensa os seus
proprietários ou, então, o departamento de censura. Todo o resto é pura
tapeação. Mas é isso, exatamente, que o PT propõe. Já foi feita, de 2003 para
cá, uma boa meia dúzia de tentativas para armar o tal controle, primeiro com
projetos de lei que morreram antes de nascer, depois com “audiências públicas”
e outras esquisitices. Não saiu, até agora, um único coelho desse mato.
Falou-se também da
“mobilização de setores populares” para pressionar a mídia, mas não se
conseguiu mobilizar ninguém. Manifestações de massa, para o PT de hoje, exigem
ônibus fretados, lanches grátis, patrocínio de alguma estatal — e, francamente,
não é assim que se faz uma revolução. Muito dinheiro do Erário tem sido gasto
na compra do apoio de uma parte da imprensa, através de verbas publicitárias e
outros tipos de ajuda: o problema, aí, é que o governo não consegue comprar os
veículos que têm mais público. Foram criadas, também, brigadas de “blogueiros”
que recebem uma espécie de “mensalinho” para falar a favor do governo e contra
quem faz críticas a ele; ninguém parece prestar atenção no que dizem.
Inventou-se, ainda, uma “TV
Brasil”, emissora que serve para apoiar as autoridades e é sustentada com
dinheiro público em estado puro. Em cinco anos de funcionamento, sua audiência
continua vizinha do zero; a esta altura, talvez tenha mais funcionários do que
telespectadores. A questão, em todos esses casos, é que imprensa a favor não
adianta nada — o que interessa a quem manda é não ter imprensa contra. Elogios
não salvaram uma única cabeça, entre os doze ministros que a presidente Dilma
Rousseff botou na rua até agora, nos casos em que foram denunciados por
corrupção no noticiário. Não têm resolvido nada no julgamento do mensalão,
também revelado integralmente pelo trabalho da imprensa; o STF vem sendo o
flagelo de Deus para os réus, triturados um após o outro com sentenças de
condenação.
Ditaduras entendem muito bem
como se controla a imprensa. Não desejam aplausos: a única coisa que lhes
importa é cortar tudo aquilo que não querem que seja publicado. Não podendo
fazer isso, o PT fica na gritaria. Ainda há pouco, o presidente nacional do
partido, deputado Rui Falcão, disse que a “mídia conservadora” é instrumento de
uma “elite suja e reacionária”, e fez uma ameaça: “Não mexam com o PT”. E se
mexerem — ele vai fazer o quê? As coisas que o deputado diz não chegam a obter
a nota mínima necessária para ser levadas a sério: não há exemplo na história
de situações em que a imprensa tenha mudado de linha por causa de discurseira
desse tipo, ameaças vazias ou “pressões da sociedade”. Veículos independentes
não têm medo de insultos, “setores populares” ou líderes políticos com
popularidade de 80%; o que lhes quebra a espinha é a força armada, e só ela. É
melhor, então, o PT segurar a ansiedade.
Reinaldo Azevedo, 23-9-2012
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