quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Um dia o lobo mau chega mesmo

Helena Garrido
Recomendou Maquiavel ao Princípe que fizesse o mal todo de uma vez e o bem aos poucos. Diz o povo que de tanto ameaçar com o lobo quando ele chegou à aldeia ninguém acreditou. Uma e outra lição têm de inspirar quem lidera para que se evite mesmo o lobo. Em Portugal, como na Europa. O que se está a pedir aos povos do sul da Europa pode ser o impossível que nos conduzirá à catástrofe. O que se está a pedir pode ser simplesmente o fim da Europa.À hora a que se estão a escrever estas palavras vivia-se em Madrid um ambiente de alta tensão entre a polícia e os manifestantes. Mais uma manifestação? Talvez. Espanha não é a Grécia e muito menos Portugal. Esse aviso foi já feito em Bruxelas aos primeiros dias do apoio financeiro à banca espanhola. A tecnocracia europeia deveria ter um cuidado extremo nas declarações sobre Espanha, assim foi feito o alerta. Não fossem eles cometer os erros que têm cometido com Portugal, falando de mais para quem não é nem legitimado pelo voto nem pelo dinheiro que emprestam a Portugal.
A Europa da União pode não partir por causa da Grécia. Mas pode perfeitamente partir-se por causa da Espanha e, com ela, da Itália. A própria Espanha vê a sua unidade como Estado ameaçada. A Catalunha parte para eleições a meio do mandato e o tema mais quente da campanha será o direito à autodeterminação.
O que está a Europa a fazer aos seus é incompreensível, mesmo à luz dos mais sofisticados e ortodoxos ensinamentos de economia.
Simplificando e exagerando, o que se está a pedir aos países é que em três anos e em recessão reduzam um endividamento acumulado durante pelo menos duas décadas. Para quê? E porquê?
As teorias da conspiração são regra geral o último reduto, aquele que usamos quando nos vão faltando outros argumentos. Mas vale a pena não esquecer que, por vezes, têm grande aderência à realidade. Ou teremos de encontrar outras explicações, como o desconhecimento. É a essa luz que se pode interpretar, por exemplo, aquilo que escreveu o "Financial Times". Desde quando é que Portugal combina crescentemente o pior da Grécia – tendência para falhar as metas – e o pior da Irlanda – um sector bancário bombardeado? A única meta que Portugal falhou foi a do défice público, uma entre dezenas que estão fixadas no Memorando de Entendimento. E, apesar de ter falhado, não pediu mais dinheiro nem ao FMI nem aos países da Zona Euro. E acaba por ser uma contradição nos termos dizer que Portugal falha metas e, ao mesmo tempo, pedir mais FMI e menos Europa no programa de ajustamento português.

Todos nós desejaríamos que houvesse mais FMI e menos Europa. Porque todos nós sabemos que o Fundo aprendeu, na sua longa experiência, a respeitar as democracias pelo seu valor mas também porque sabe como o sucesso de um ajustamento depende do apoio das populações às medidas de austeridade.
Os portugueses, a maioria, apoiaram como poucos outros países intervencionado a chegada da troika. Receberam as equipas do FMI, do BCE e da Comissão Europeia de braços abertos na esperança de se conseguir, finalmente, adoptar as medidas que vários governos iam anunciado para o país desde o início do século XXI. E receberam ainda a troika, porque acreditaram que a alternativa era bem pior.
O que fez a troika nesta quinta avaliação? Escondeu-se. Desresponsabilizou-se. Manteve apenas a ameaça do lobo mau. E colocou Portugal e os portugueses em risco de serem de facto comidos pelo lobo mau. Podemos já não ir a tempo mas pelo menos que se tente fazer o mal todo de uma vez enquanto se começa já a dar algumas, pequenas que sejam, boas notícias.
Título e Texto: Helena Garrido, Jornal de Negócios, 26-9-2012

Um comentário:

  1. Repugnante ter assistido à unanimidade submissa ao que escreveu o FT, nenhuma voz se levantou! A não ser esta aqui, a de Helena Garrido!
    O esquerdismo está tão arraigado que aplaudem qualquer estrangeiro que diga ou escreva qualquer bobagem desabonadora em relação à atualidade portuguesa. São uns patetas!

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