Helena Garrido
"Existe aparentemente um enorme desvio entre o que os portugueses acham que devem ter como funções do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar". A declaração é do ministro das Finanças na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, dia 24 de Outubro de 2012, a propósito da proposta de Orçamento para 2013. Eis o debate que o país devia ter.
"Existe aparentemente um enorme desvio entre o que os portugueses acham que devem ter como funções do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar". A declaração é do ministro das Finanças na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, dia 24 de Outubro de 2012, a propósito da proposta de Orçamento para 2013. Eis o debate que o país devia ter.
Temos neste momento um
violento choque com a realidade. Escolher não é fácil, mas as alternativas são
claras, pelo menos no momento actual. Ou temos o Estado com as suas actuais
funções e pagamos os impostos que são necessários para o manter (e não chega
aquilo que está previsto no Orçamento). Ou queremos menos impostos e temos de
aceitar um Estado mais pequeno e com menos funções. A escolha é nossa, ou
deveria ser. Não vamos poder ter é as duas coisas: o mesmo Estado e os mesmos
impostos, baixos.
Muitos sabiam que chegaria o
dia em que teríamos de fazer esta escolha dramática, entre mais impostos ou
menos despesa pública. Estava escrito na dinâmica das despesas com pensões de
reforma, ditada pelo envelhecimento da população, e no número crescente de
apoios para combater a pobreza numa economia que não crescia. A recessão em que
vivemos há praticamente três anos acrescentou a despesa com subsídios de
desemprego.
Durante o tempo do crédito
fácil criou-se a ilusão de conseguir distribuir sem criar mais valor, como quem
come um bolo que não existe. Hoje percebemos que só se pode distribuir mais se
se produz mais ou se quem tem mais rendimento estiver disposto a receber menos
para dar a quem mais precisa. Mas a fúria a que temos assistido contra o
Orçamento do Estado para 2013 por parte de ex-ministros e de alguma elite
portuguesa revela bem que quem ganha mais não está disposto a pagar mais
impostos para garantir o Estado social que temos.
Este é o momento em que, regra
geral, surgem os contra-argumentos da herança socialista ou das promessas
sociais-democratas. Da herança, que está bem visível na dívida pública, temos
um longo historial de responsáveis que começa no então primeiro-ministro Cavaco
Silva e a que podemos somar a grande ilusão do crédito em que viveram os países
ocidentais e os erros de avaliação das consequências da criação do euro. Sobre
as mais recentes promessas do PSD de tudo resolver com umas dietas de gorduras
apenas se pode concluir pela incapacidade de avaliar a dimensão do problema
financeiro que o país tinha. Debater sobre o que uns e outros fizeram ou
disseram é muito importante para daí retirarmos consequências políticas na
altura das eleições, mas em pouco ou nada contribuem para se encontrar uma
solução. E não vale a pena ter a ilusão de que se resolve o problema que temos
com medidas populistas como obrigar o governo a andar em económica nos aviões
ou a cortar nos automóveis. Infelizmente, o problema é de mil milhões e não de
milhares ou mesmo de milhões de euros.
O que hoje temos de escolher é
entre mais impostos para que o Estado nos continue a apoiar na velhice, na doença,
na pobreza ou quando estamos desempregados ou deixar cair pelo menos parte do
Estado social que construímos. Uma escolha ou outra é legítima, mas deve ser
feita pela sociedade. Num país democrático, uma decisão de menos Estado ou mais
impostos só deveria ser tomada depois de um acto eleitoral em que cada um dos
partidos dissesse claramente o que defende. O que não é possível escolher é o
mesmo Estado social com impostos baixos.
Título e Texto: Helena Garrido, Jornal de Negócios
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