O Brasil continua assistindo
ao julgamento do mensalão como um filme de época. O STF está prestes a dar as
sentenças, e o público aplaude a virada dessa página infeliz da nossa história,
quando a pátria dormia tão distraída etc. O problema é que a pátria continua
dormindo profundamente.
José Dirceu, o grande vilão, o
homem que vai em cana condenado pelo juiz negro, nesse duelo que faz os
brasileiros babarem de orgulho, não é um personagem do passado. Está, hoje
mesmo, regendo o PT no segundo turno das eleições municipais. Ainda é a principal
cabeça do partido que governa o país.
E o eleitorado não está nem
aí. A campanha de Fernando Haddad em São Paulo é quase uma brincadeira com o
Brasil. Um candidato inventado por essa cúpula petista que só pensa naquilo (se
pendurar no poder estatal) consegue uma liderança esmagadora no segundo turno.
O projeto parasitário de
Dirceu, que tem Lula como padrinho e Dilma como afilhada, pelo visto não vai
sofrer um arranhão com a condenação no Supremo. O eleitor não liga o nome à
pessoa.
Fernando Haddad foi um sujeito
inexpressivo de boa aparência colocado no Ministério da Educação para fazer
política. Sua candidatura é a menina dos olhos de Lula, mais um plano esperto
dessa turma que descobriu que pode viver de palanque sem trabalhar.
O fenômeno Haddad conseguiu
bagunçar a vida dos vestibulandos por três anos seguidos, com erros primários
no Enem, típicos de inépcia e vagabundagem. Se fosse no Japão, o então ministro
teria se declarado humilhado e se retirado da vida pública. No Brasil, vira um
“quadro” forte da política.
Haddad fez com a pobre
educação brasileira o que o PT sempre faz no poder: marketing do oprimido.
Defendeu livros didáticos com erros de português, tentou bajular os gays com
cartilhas estúpidas, fez demagogia progressista com o sistema de cotas.
Enquanto os estudantes se esfolavam no Enem, ele estava nos comícios de Dilma
para presidente.
Tudo conforme a lógica
mensaleira da agremiação que governa o Brasil há dez anos: usar os mandatos
para garimpar votos e arrecadar fundos (para pagar os Dudas lá fora, o que o
Supremo já disse que está OK).
O ex-ministro Haddad é filho
dos mentores do mensalão, assim como os ministros do STF Ricardo Lewandowski e
Dias Toffoli. Nunca se viu espetáculo tão patético na esfera superior do
Estado: dois supostos juízes usando crachá partidário e obedecendo às ordens do
principal réu. Contando, ninguém acredita.
Esse sistema desinibido de
prostituição da democracia vai de vento em popa, porque a pátria-mãe tão
distraída resolveu acreditar que a vida melhorou porque Lula é (era) pobre e
porque Dilma é mulher.
O Brasil não faz mais questão
de nada: nem a entrega do “planejamento” da infraestrutura à quadrilha
Delta-Cachoeira comoveu os brasileiros.
O prefeito Eduardo Paes disse
que o Brasil está jogando fora a chance de se organizar, e o ministro dos
Esportes ficou zangado. A turma do maquinário detesta quando alguém lembra que
eles não trabalham.
O ministro Aldo Rebelo é
companheiro de partido do seu antecessor, o inesquecível Orlando Silva, rei das
ONGs. Nas mãos do PCdoB, o Ministério dos Esportes estava aproveitando a Copa
do Mundo no Brasil para montar seu pé-de-meia companheiro — o que é
absolutamente normal, dentro da ética mensaleira.
Aí surgem as manchetes
intrometidas e Dilma tem que encenar a faxina, a contragosto, cobrindo de
elogios o companheiro decapitado e entregando a boca para um colega de partido.
Assim é em todo o primeiro
escalão do governo, mas eles ficam muito chateados se alguém lembra que esse
esquema malandro não serve para organizar o país para uma Copa, para uma
Olimpíada ou para um futuro decente.
Enquanto a pátria continuar
dormindo e sonhando com o heroísmo de Joaquim Barbosa, a república mensaleira
seguirá em frente. Ninguém deu a menor bola para o escândalo denunciado pelo
ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence.
Dilma Rousseff aproveitou o
espetáculo no Supremo e cortou a cabeça dos dois conselheiros “desobedientes”
da Comissão de Ética da Presidência. Marília Muricy e Fábio Coutinho ousaram
reprovar a conduta dos ministros companheiros Carlos Lupi e Fernando Pimentel.
A presidente teve que demitir
Lupi, que transformara o Ministério do Trabalho numa ação entre amigos do PDT —
partido que o demitido continua comandando, em apoio ao governo popular.
Mas Pimentel, com suas
milionárias consultorias fantasmas, vendidas graças aos seus belos olhos de
amigo da presidente, continua vivendo de favor no Ministério do
Desenvolvimento.
Um dia já houve a expectativa
de que Marcos Valério, uma vez apanhado, abriria o bico. Hoje o bico de Valério
não vale mais um centavo. O golpe já foi revelado, e a real academia mensaleira
continua comandando a política brasileira. Testada e aprovada pelo povo.
Título e Texto: Guilherme Fiuza, O Globo, 27-10-2012
Via Blog do Noblat
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