Maria Lucia Victor Barbosa
A poucos dias do segundo turno da disputa pela Prefeitura
de São Paulo, 19% dos eleitores dizem não ter candidato. O índice é o maior da
história para o período e em se tratando da capital do Estado mais importante
do país esse é um dado significativo a merecer atenção. O que estará ocorrendo
para que 10% dos eleitores declarem que votarão em branco ou anularão seu voto
sendo indecisos outros 9%? E note-se que tal ocorrência poderá aumentar no dia
da eleição levando-se em conta as abstenções.
Alguns analistas atribuem o fenômeno á imaturidade dos
eleitores, mas penso o contrário. O que está acontecendo é um desencanto com a
política na medida em que candidatos apresentam propostas monotonamente
parecidas, discursos ultrapassados, promessas não críveis.
Outros explicam que há um desgaste da polarização PSDB x
PT. Mas nesse caso, por que o candidato Celso Russomanno (PRB) que liderou o
primeiro turno não foi para o segundo? Aliás, partidos políticos não existem no
sentido clássico de “homens que professam a mesma doutrina”, de agremiações
dotadas de programas, coerência ideológica e estrutura nacional. O que temos
são clubes de interesses com alguns donos cujo objetivo é alcançar o poder
custe o que custar o que acaba provocando alianças inimagináveis de ex-inimigos
que se tornam momentaneamente amigos de infância, de adversários ferrenhos que
em determinadas circunstâncias se abraçam e beijam em palanques. E como essa
geleia partidária tem aumentado a cada eleição o povo continua fazendo o que
sempre fez: vota no candidato e não no partido.
Em São Paulo pesquisas indicam a vitória do candidato
petista. Os institutos erraram feio no primeiro turno, mas caso isto se
confirme Haddad vencerá menos por mérito próprio e mais pelos reiterados erros
do PSDB que ao longo do tempo nunca soube ser oposição ao governo petista. Além
do mais, na seara tucana houve desperdício dos melhores quadros, falta de
coesão entre os membros e o apoio incondicional de Fernando Henrique Cardoso a
Lula da Silva.
Note-se que caso os paulistanos escolham ex-ministro
trapalhão irão reeditar administrações petistas como as de Erundina e Martha
Suplicy, mesmo que não tenham ficado satisfeitos com tais gestões. Afinal,
estas senhoras não lograram ser reeleitas. Mas isto não foi capitalizado pelo
PSDB.
O amadorismo político dos tucanos contrasta com seus
quadros muito superiores ao do PT em termos intelectuais e profissionais.
Entretanto, o PT, que resvala para o primitivismo político é o único partido
que se preparou ao longo do tempo para alcançar o poder e lá permanecer como
organização fortemente estruturada, dotada de poder centralizado na figura
populista de Lula da Silva, hierarquizada, disciplinada, impregnada da mística
que nutre militantes que se comportam de forma sectária. O PT, mais que um
partido é uma organização que lembra a estrutura da Igreja Católica ou das
famílias mafiosas.
Mesmo assim, o PT não é onipotente, não venceu em Belo
Horizonte, no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, em Recife. E ainda há
indefinições no segundo turno em cidades e capitais onde o PT se empenha na
vitória sempre em busca do seu projeto hegemônico continuado.
No panorama de desencantamento não o novo, mas algumas
novidades afloram. É o caso dos pretendentes à eleição presidencial, o senador
Aécio Neves e o governador Eduardo Campos, sendo que o partido deste, o PSB,
foi o que mais cresceu em número de votos nas nove maiores regiões
metropolitanas do país na comparação do primeiro turno deste ano com o de 2008:
um avanço de 141%.
Contudo, o fato mais importante que se assistiu ao longo
de quase três meses foi o julgamento do mensalão, que desmentiu Lula da Silva
ao provar que existiu o maior crime de corrupção já perpetrado por um governo.
E, em que pese a atuação dos ministros Lewandowski e Toffoli que mais pareciam
advogados de defesa dos réus do PT, prevaleceu a linha da denúncia do
procurador-geral da República, Roberto Gurgel, endossada brilhantemente pelo
relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, sendo que a maioria os ministros
concluíram que houve uso de dinheiro público para pagar parlamentares, que
houve empréstimos fraudulentos para abastecer esses pagamentos, que o dinheiro
serviu para comprar apoio político e que tudo foi comandado por José Dirceu num
esquema de quadrilha.
Se a guerra contra a corrupção continuará, uma batalha
importantíssima foi pela primeira vez ganha no país da impunidade. Venceu a
independência do Poder Judiciário, o Estado Democrático de Direito, o Brasil e
o julgamento foi um alerta para bandidos de terno e gravata. Como disse o
ministro Celso de Mello: “o mais importante é o alto poder pedagógico do
processo, cuja essência não está na distinção entre técnica e política, mas em
seu caráter moral”. “A peça fundamental em exame é a ética dos governos”. Seria
bom que os políticos aprendessem a lição, afinal, a política está em
desencanto.
Título e Texto: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga
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