sábado, 17 de novembro de 2012

A agenda do Irã na ofensiva israelense à Faixa de Gaza

Francisco Vianna

RESUMO DOS FATOS
Para começar a fazer sentido a escalada do conflito na Faixa de Gaza, precisamos voltar à noite de 23 de outubro, em Cartum. Eram quase 11 da noite, quando o depósito de armas de Yarmouk, no Sudão, foi atacado e explodido supostamente pela força aérea israelense. Havia indícios de que o Irã estava usando este depósito para estocar e possivelmente montar armas, incluindo mísseis antiaéreos teleguiados, mísseis antitanque e foguetes de longo alcance Fajr-5, capazes de atingir Tel Aviv e Jerusalém quando disparados da cidade de Gaza.

Espectadores se reúnem para ver uma enorme fogueira que engoliu a fábrica de munições de Yarmouk em Cartum, no Sudão. Foto: Reuters/Stringer
Uma das principais motivações da mais recente campanha de operações aéreas de Israel destinada a matar seletivamente líderes do Hamas é a convicção da inteligência judia, uma das melhores do mundo, de que essa organização terrorista islâmica que controla Faixa de Gaza tem uma grande quantidade de foguetes de longo alcance de fabricação iraniana Fajr-3 e Fajr-5.
O governo iraniano enviou navios de guerra ao Sudão em 29 de outubro passado após um ataque supostamente atribuído a Israel ter destruído uma fábrica de armamentos em Yarmouk, no Sudão
O principal objetivo militar de Israel, com essa tática de eliminar cirurgicamente os chefes do braço armado do Hamas e de outros grupos jihadistas é o de impedir que eles tenham a capacidade e a competência de usar tais mísseis, o que seria uma agressão constante à população civil dos centros urbanos israelenses.
Isso provavelmente explica porque, no início de outubro último, quando os ataques de curto alcance de foguetes de Gaza ainda eram esporádicos, as autoridades israelenses começaram a condicionar no público a ideia de uma intervenção "inevitável" israelense em Gaza.
Israel sabia que o Hamas estava de posse de tais armas e que isso poderia exigir uma guerra de invasão, localização, e destruição desses arsenais na Faixa de Gaza, para eliminar a ameaça balística. Tudo começou com o ataque ao paiol no Sudão, agravado agora com a eliminação cirúrgica do comandante militar do Hamas, Ahmad Jabari (o idealizador do atual programa de foguetes Fajr), o que, agora, pode se transformar numa ampla incursão terrestre israelense na Faixa de Gaza, com todo o sacrifício humano que isso pode causar.

RESULTADOS PREVISTOS
O ataque de 23 de outubro ao depósito de armas iranianas no Sudão – e destinadas a Gaza – não foi o primeiro feito por Israel em outros paióis de armamentos iranianos em território sudanês.
Em janeiro de 2009, Israel supostamente levou a efeito um ataque aéreo contra um comboio de armamentos a noroeste de Port Sudan, que se deslocava em direção a Gaza. Tal comboio carregava foguetes Fajr-3 e era inusitadamente grande, com mais de 20 caminhões se dirigindo à área norte da Faixa de Gaza. O envio urgente dessa carga supostamente enviado pelo Irã tinha o objetivo de reforçar o poder de fogo balístico do Hamas durante a chamada “Operação Chumbo Trocado”. O Irã também se expôs tentando contrabandear armas para Gaza pelo Mar Vermelho.
Apesar dos esforços provavelmente feitos para esconder e camuflar o depósito de armas em Yarmouk, isto, é claro, não consegui enganar a inteligência militar israelense. O Hamas, destarte, assumiu um grande risco ao contrabandear armas para Gaza, inicialmente, e talvez pensando que poderia escondê-las, uma vez que conseguem tal intento com armas menos sofisticadas, e tiveram todo aquele estoque destruído pelo ataque.
Antes de o Hamas ter respondido ao assassinato de Jabari, anteontem, houve duas grandes enxurradas de foguetes e morteiros no mês passado. A primeira foi de 08 a 10 de outubro e a segunda foi de 22 a 24 de outubro. Quando resolveu perpetrar tais ataques, o Hamas não poderia saber que Israel já tinha detectado e localizado os foguetes Fajrs iranianos de longo alcance.
Lançando morteiros dos tipos ‘Grad’ e ‘Qassam’, o Hamas tentou fazer com que Israel pensasse que o Hamas não tivesse, em última análise, os tais foguetes Fajr, uma vez que, caso tivessem, seria de esperar que usassem. O Hamas pode também ter se equivocado ao assumir que as cargas de morteiro e de foguetes de curto alcance, que usa quase sempre que as tensões com Israel aumentam, não causaria, como de costume, uma resposta maior por parte dos judeus.
Mas, no momento em que a força aérea de Israel destruiu o estoque de mísseis iranianos no depósito de Yarmouk, o Hamas teve que assumir que Israel sabia com detalhes da transferência de armas e foguetes para Gaza. O Hamas então aceitou rapidamente o acordo de cessar-fogo mediado pelo Egito em 25 de outubro último.
Quando os ataques contra Israel recrudesceram em 10 deste mês – incluindo um ataque antitanque a um jipe militar israelense que patrulhava a fronteira, assumido pela ‘Frente Popular Para a Libertação da Palestina’ e diversos outros ataques por foguetes assumidos pela ‘Jihad Islâmica Palestina’ – um grupo jihadista salafista menor – o Hamas pareceu mais cauteloso, apelando numa reunião com os líderes dos principais grupos militantes antissionistas de Gaza, no último dia 12, que se buscasse uma nova trégua. Mas aí, já era tarde demais. Eles haviam já inadvertidamente fornecido aos israelenses a justificativa que Tel Aviv precisava para obter o apoio da opinião pública do país para iniciar as operações militares necessárias para destruir os arsenais de mísseis de longo alcance do Hamas.
Em 14 desse mês, Jabari foi morto por um certeiro disparo de míssil sobre o automóvel em que viajava com seu filho e um motorista. Os três morreram instantaneamente. O Hamas teve, então, que trabalhar com a possibilidade de que Israel faria o que fosse preciso para desencadear uma ofensiva militar ampla para eliminar a ameaça balística do Hamas, com seus projéteis de origem iraniana.
Foi então que o Hamas, provavelmente, decidiu optar pela estratégia de "usá-los ou perdê-los" e começou a disparar os foguetes iranianos em direção a Tel Aviv, sabendo que eles seriam transformados em alvos de qualquer modo e potencialmente usando a ameaça para nivelar uma eventual tentativa de armistício com Israel. Uma resposta forte do Hamas também melhoraria a sua credibilidade entre os palestinos. Só não contavam com a eficiência do sistema antimísseis israelense, chamada “Pilares da Defesa”, que está conseguindo interceptar com seus mísseis terra-ar mais de 90 por cento dos foguetes do Hamas.
O que o Hamas fez foi, essencialmente, tentar o máximo que pode lidar com uma situação que já era difícil e que agora provavelmente irá piorar se agir utilizando a diplomacia egípcia para obter um novo armistício e evitar que Israel marche para além de suas fronteiras em direção à Gaza e, com isso, mais adiante, perder sua autoridade no território.
Em Teerã, as autoridades iranianas estão provavelmente bem contentes com tais desdobramentos, pois a perspectiva de ver palestinos sendo usados como buchas de canhão contra os judeus, não os sensibiliza em nada. O Irã necessitava desviar o foco da atenção mundial do conflito na Síria. E, por enquanto vem conseguindo, pelo menos temporariamente. O Irã também precisava rever suas relações com o Hamas e demonstrar que mantém o controle sobre os grupos militantes nos territórios chamados de Palestina, como parte da estratégia de desencorajamento contra um ataque potencial a suas instalações nucleares.
O Hamas decidiu, no ano passado, que estaria melhor se alinhando com uma organização parental ascendente, a Irmandade Islâmica, do que permanecer atado a um rival ideológico como o Irã, que colocou a região na defensiva. O Irã poderia ainda chamar a atenção do Hamas por meio de vendas de armamentos, embora eles sequer imaginassem que Israel pudesse detectar e localizar os carregamentos de mísseis Fajr.

Forças israelenses se concentram ao longo da fronteira com Gaza, em preparação a uma possível invasão por terra e retomada do território que Israel cedeu de boa vontade aos palestinos.
O resultado é que uma maciça invasão israelense à Faixa de Gaza poderá destruir a credibilidade do Hamas e criar mais espaço para o grupo conhecido como “Jihad Islâmica Palestina”, que tem laços íntimos com Teerã. Tal eventualidade militar – que agora parece iminente – da mesma forma criaria tensões no relacionamento do Hamas com a Irmandade Islâmica, particularmente no Egito, além da Jordânia e da Síria, pois essa entidade islamofascista árabe não parece, por enquanto, preparada ou desejosa de um confronto militar direto com Israel, temendo o retrocesso que uma derrota para as forças de Tel Aviv representaria no futuro de algo que ninguém ainda consegue definir corretamente como um Estado Palestino.
De qualquer modo, tudo isso poderá se constituir numa manobra iraniana, ao mesmo tempo de baixo custo relativo e altamente vantajosa para Teerã.
Título, Imagens e Texto: Francisco Vianna (da mídia de inteligência internacional), 17-11-2012

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