quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A imagem do Brasil nas mãos e olhares de "seu" Jairo

Maria Fernanda Esteves do Nascimento
Odeio filas, contrariando Chico Anisio que dizia que brasileiro adora filas, que não podia ver uma, que entrava nela. Por isso, jurei que não voltaria à Disney, depois que meus filhos se tornaram adolescentes. Netos, contudo, fazem qualquer jura se tornar um juramento falso. E lá fui eu para Orlando, acompanhando meus netos. Foram 12 dias de filas intermináveis naquelas montanhas russas absolutamente inadequadas para minha idade. 


Definitivamente, não se fazem mais montanhas russas como as de antigamente (tem uma nova agora, que distribuem saquinhos para vomitar, em caso de enjoo!). Em nome de meus netos, entretanto, sou capaz de suportar filas para comer, urinar, entrar num brinquedo ou simplesmente, para comprar um tíquete para ingressar no mundo mágico criado pelo polêmico (e macarthista, dizem) criador do Mickey Mouse.
Há muito tempo eu não pisava nas terras do Obama, ainda mais na semana em que ele foi reeleito. Ao projetar minha viagem, eu havia me preparado para as filas, não só dos parques, mas como também para o check-in, para a revista das bagagens de mão, para a checagem do passaporte, para a revista das malas na alfândega americana, enfim, para tudo aquilo que exigisse de uma avó a mais infinita paciência.


Nos EUA, a surpresa: a indiferença das autoridades americanas pela minha bagagem. Entreguei o formulário azul exigido pela customs e lá estava eu no meio da rua, respirando os ares de Orlando! Quase voltei para perguntar ao agente da Receita Federal americana se ele tinha certeza de que não queria que eu abrisse as malas. Ele e os colegas ignoraram solenemente aquela brasileirada que desembarcava! Nada de fila! Nada de desconfiança, nada! Até meu cunhado que tem uns traços com Osama Bin Laden foi ignorado! A crise deve andar tão braba por lá que a turma da alfândega deve ter recebido ordens para não criar problemas, principalmente para os brasileiros, campeões de compras.
Depois de 10 dias acompanhando a alegria dos netos, partimos para as inevitáveis compras nos Targets, Kmarts e Wal-Marts da vida. Nos outlets, camisas ridiculamente baratas, comparadas às lojas do centro comercial mais barato do Rio, a Saara, ou a paulista 25 de Março. Das duas uma: ou o governo americano subsidia essas lojas, ou então, comprar roupas no Brasil é assalto à mão desarmada. Como é que pode uma polo Ralph Lauren custar 18 dolares? Um tênis Nike, 48 dolares? Uma camisa social da Tommy Hilfiguer custar 25 dolares? Como pode, no Brasil, tudo isso custar o quádruplo?
Como toda brasileira que pise nesses templos de consumo a preço de banana, fomos às compras. Nenhum de nós gastou menos do que 200 dolares em roupas. O sonho de consumo dos homens, o novo mini I Pad, estava indisponível: “sold out!”, respondiam os vendedores da Apple. De eletrônicos, só tinha esta opção, porque o resto já temos por aqui. Restou aos homens a opção da compra de camisas, cuecas, camisetas e meias.
Chegou o dia da volta ao Brasil e o jeito foi sair correndo comprar uma mochilas bem baratinhas para enfiar as compras feitas (a preço de banana, repito), que não contrariavam as rígidas normas brasileiras, que proíbem compras acima de 500 dolares. Aliás, há anos, a cota continua a mesma, apesar da inflação americana...
O dia da volta, definitivamente, é o pior dia, sobretudo, por causa da logística: devolução do carro, check-in, embarque das bagagens, incerteza quanto ao horário do voo, irregularidade na alimentação e por aí vai. Nosso voo Rio-Orlando, sem escalas, durou algo em torno de 8 horas. Éramos umas 200 almas, entre adultos e crianças, chegando exaustos no Galeão por causa dos assentos apertados e comida de qualidade e quantidade discutíveis. O horário marcava 5 e meia da madrugada. Logo depois, chegaram mais 400 passageiros vindos de Houston e Nova Iorque.
A primeira (e última) boa surpresa: a Polícia Federal colocou mais guichês para carimbar os passaportes na entrada do país. E o mais inacreditável: alguns dos funcionários sorriam! Depois, rezamos para que as malas chegassem. E chegaram intactas. Seiscentos passageiros dos três voos entre idosos, crianças, deficientes físicos vindos de Orlando, Houston e Nova Iorque se dirigem à saída. De repente, surge um homenzinho (no sentido literal e figurado da palavra) mandando que todos esperassem. Rapidamente ele começa a colocar pessoalmente balizadores com aquelas fitas retráteis usadas para organizar filas em aeroportos. Desenha uma disposição num vai e vem ziguezagueando pelo saguão interno do aeroporto. Todos se entreolham perguntando o que houve.
Estrangeiros entre os 600 passageiros não entendem o que está acontecendo e buscam uma resposta entre os brasileiros. Crianças com Mickey Mouses de pelúcia nos braços, com justificada impaciência, loucos para chegarem em casa, querendo comer direito e beber água. Idosos, alguns com bengala, buscam uma explicação com um funcionário da Receita Federal. Assustado, ele balbucia: “São ordens do “seu” Jairo...”

Foto: daqui
“Seu” Jairo? Quem é esse “seu” Jairo? Ali começava a via crucis de pais, mães, avós, crianças (algumas de colo), brasileiros, famílias e executivos de várias nacionalidades. Seiscentas pessoas amargando horas numa fila interminável para que todas as malas – repetindo, todas – passassem por duas únicas máquinas de Raios-X. “Seu” Jairo, o chefe, ia e vinha, percorrendo com seus olhares a fila que alcançava as esteiras das bagagens! Uma fila literalmente com mais 500 metros de comprimento!
Um funcionário da Receita com uma camiseta vermelha toda estampada que faria morrer de inveja os diretores das escolas de samba, segurava nervosamente seu crachá que mostrava que ali era ele quem mandava. Famílias com crianças passavam suas bagagens demoradamente pelas duas máquinas de Raios-X, sendo depois obrigadas a abri-las sob um interrogatório que nada deixava a desejar para os agentes da Gestapo:


Agente da Receita (com fisionomia desconfiada e com a sobrancelha arqueada): “- Hum, tem muitas camisetas aqui...devem ter custado muito...”
Mãe brasileira com a criança no colo, argumenta: “ - Não, meu senhor, foi tudo muito barato...compramos num outlet conhecido em Orlando...”
Agente da Receita (não escondendo o prazer de ver a passageira assustada com o interrogatório): “ – Mas se somarmos os preços nas etiquetas, pode passar da cota de 500 dólares...” (suspense para ver a reação da passageira)
A brasileira olha assustada para o marido em cuja bagagem revistada é achado um barbeador. Pergunta a agente para ele: “- O senhor trouxe outros eletrônicos, além desse barbeador, trouxe?”!
O sujeito, perplexo, diretor da Firjan, responde que sim, trouxe um aparador de pelos de nariz. A agente arqueia a sobrancelha e revira a bagagem do sujeito, não achando mais nada, dispensando-o com um olhar rancoroso por não ter flagrado coisa alguma.
“Seu” Jairo, o chefe da equipe, não para. Diligente, sai da revista das malas e vai para a fila tentando organizar o verdadeiro caos instalado com 600 passageiros acotovelando-se entre balizadores com carrinhos de bagagem. Uma funcionária da empresa terceirizada pela Infraero, chamada Tri Star, diz baixinho a uma passageira idosa que pedira para ser liberada porque tem artrose: “- Não adianta, minha senhora, a equipe de “seu” Jairo é fogo, não deixa passar nada...”.
Ao contrário dos demais membros da equipe, “seu” Jairo trabalha arrumado, de terno bem cortado. Captando o sinal de um colega da Receita, foi capaz, com seu olhar atento, de liberar um dos passageiros que, sozinho, carregava quatro gigantescas malas. Os passageiros que amargam na fila se entreolham e acham que isso se devia ao olhar apurado dele, que consegue checar, sem a máquina de Raios-X, se havia contrabando ou naquelas enormes malas. “Seu” Jairo é fera...Se o Obama o conhecesse, provavelmente diria: “ - Esse é o cara!”
“Seu” Jairo, contudo, é diligente. Olha a todos e tudo com redobrada desconfiança. Lança o olhar sobre um Mickey Mouse de pelúcia grande, nos braços de uma menina de uns 5 anos. Ato contínuo, faz sinal a um auxiliar para, quando chegar a hora da revista, examinar o ratinho suspeito. Faça-se justiça: para o chefe de uma equipe da Receita Federal num dos aeroportos mais importantes do Brasil, “seu” Jairo supera as expectativas, já que ele, pessoalmente organiza as filas, decide quem é liberado ou não, só pelo olhar. Honestamente, acho que se a Receita tivesse mais funcionários como este, poderia dispensar todas as máquinas de Raios-X. Ele é o próprio Raio X em pessoa!
Os estrangeiros bufavam na fila que andava a passo de cágado. Alguns deles, de paletó e gravata, suavam com o ar condicionado eternamente ruim do Galeão. Crianças berravam por água e comida. Idosos se arrastavam, seja por dor, seja por cansaço. Pais e mães, amedrontados pela postura ameaçadora da equipe de “seu” Jairo, amaldiçoavam-na em voz baixa. De quebra, amaldiçoavam o governo, a Receita Federal, o servidor público. Sobrou para a Dilma e para o PT: “ – Aposto que os mensaleiros não são revistados”.
“Seu” Jairo, contudo, prosseguia impassível, com a certeza de que todo o contrabando passa no Brasil pelo Aeroporto Antônio Carlos Jobim diretamente da Disney, Orlando, Florida, e não, como alguns pensam, por navios, aviões e veículos pelas gigantescas costa e fronteiras do nosso país.
Não sei qual é o critério utilizado pelo governo para designar agentes como “seu” Jairo para chefiar uma equipe capaz de fazer estrago à imagem de um país como o filme “O Expresso da Meia-noite” fez à Turquia. Talvez essas escolhas surjam de reuniões como a que ficou famosa em que 15 homens de confiança do III Reich, liderados pelo general da SS Reinhard Heydrich mudaram o mundo para sempre, pois ali foi decidido a "Solução Final", que tinha por objetivo exterminar todos os judeus da Europa. Será que é assim as reuniões do Ministro da Fazenda e os superintendentes da Receita Federal em Brasília? " - Os brasileiros estão gastando muito no exterior! Chamem o "seu" Jairo, o exterminador!" - diz o Mantega?
“Seu” Jairo é realmente um exterminador: extermina as boas lembranças de viagens de adultos e crianças, extermina a imagem do nosso país que precisa da vinda de investidores que desejam apostar na economia do “novo” Brasil (que amarga um pibinho digno da Nigéria), extermina a paciência de idosos e deficientes condenados a ficar desnecessariamente numa fila idiota e extermina a imagem do governo através da atitude dos funcionários da Receita Federal. É um exterminador de alegrias. É um exterminador da imagem de um Brasil hospitaleiro.
Na fila que serpenteava o aeroporto pairava um sentimento quase tangível: o do mais puro ódio. Estranho isso, mas sentia-se um ódio coletivo no ar. Ódio por não podermos reclamar e sermos enquadrados por “desacato à autoridade”. Ódio por sermos brasileiros tratados como potenciais contrabandistas.
Quanto ao “seu” Jairo, bem, “seu” Jairo, reconheçamos, é fera! Seu comportamento típico do antigo servidor público ameaçador que ostenta o crachá e carrega um carimbo inspiraria Nelson Rodrigues a criar um personagem. Nelson dizia que “o grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota. Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina."
O estrago que “seu” Jairo faz ao Brasil em cada voo que chega é de deixar com inveja qualquer Osama Bin Laden em matéria de terrorismo. Cá entre nós, monitorar uma fila com 600 passageiros entre 5 e meia da manhã e duas da tarde, humilhando-os, ameaçando-os, tornando-os reféns, não é para qualquer um. Aquele homenzinho de um metro e meio de altura não arredou o pé, a não ser na hora da equipe dele almoçar. Aí, ele deixou só uma única máquina de Raio X funcionando, não designando um substituto.
Mas, errar é humano? Até Hitler errava, não?
Título e Texto: Maria Fernanda Esteves do Nascimento é brasileira, avó, não é contrabandista e tem vergonha de “seu” Jairo ser brasileiro.

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