Joaquim Ferreira dos
Santos*
Meu caro Joaquim Barbosa, esta carta não é de elogio ou qualquer salamaleque ao meritíssimo tão em voga dentro da preta toga. Também passarei ao largo do mensalão e qualquer comentário sobre a poesia do Ayres Brito. Peço vênia e sigo em frente, certo da sua compreensão de que não é da índole joaquiniana juntar-se à fila de qualquer cordão de puxa-saco.
Meu caro Joaquim Barbosa, esta carta não é de elogio ou qualquer salamaleque ao meritíssimo tão em voga dentro da preta toga. Também passarei ao largo do mensalão e qualquer comentário sobre a poesia do Ayres Brito. Peço vênia e sigo em frente, certo da sua compreensão de que não é da índole joaquiniana juntar-se à fila de qualquer cordão de puxa-saco.
Meu fito é dar o nome aos
bois. O que me move a pena é a curiosidade de ver vossa excelência, de origem
tão diversa, carregando o mesmo nome que este humilde signatário. Leio as
matérias em que o nobre xará é exaltado pela coragem condenatória, o brilho
jurídico. Nenhuma explica por que um menino pobre, negro, foi ganhar a alcunha
exótica que identificava os brancos portugueses.
Ser um Joaquim típico, nos tempos
idos de onde viemos, era informar já no nome toda a sua origem Trás-os-Montes,
de pai comerciante atrás do balcão, geralmente com o mesmo Joaquim lhe servindo
de nome. No meu caso era tudo verdade. Não era um nome, era uma biografia
pública que se carregava com toda a carga de preconceito que vitimava os
humildes imigrantes. Joaquim era piada ambulante, sempre pronta, no primeiro
dia de aula, para a turma do fundo da sala dar risinhos e exercitar o que
muitos anos depois seria dramaticamente classificado de bullying. Não era bem o
caso, vamos ser sinceros, mas, cá entre nós, caro ministro, ser Joaquim 50 anos
atrás dava um trabalho do cão.
Havia sempre quem puxasse o
coro de “Seu Joaquim, quirinquinquim, da perna torta, taratatá, dançando o
frevo, vuruvuvu, com a Maricota” — e estava deflagrado o escárnio pela turma.
No meu silêncio tímido, eu invejava os Marcelos, Albertos e outros nomes de
príncipes que os pais haviam espalhado nos pimpolhos da classe. Gramei. Adulto,
meu nome completo, já exposto nos jornais, servia aos humoristas do Casseta e
Planeta sempre que precisavam nomear em suas piadas um dono de armazém ou o
goleiro da seleção portuguesa. Ser Joaquim era barra, ministro, mas eu fazia
por merecê-lo. Era filho do ‘seu’ Joaquim, o português da mercearia da Vila da
Penha. Sem querer brincar com seu árduo ofício, meritíssimo, era justo.
Mas o que me move, como dizia,
é saber como cravaram em vossa digníssima excelência o batismo joaquiniano. De
onde lhe veio o Joaquim? Nos últimos 50 anos o nome tem passado por uma curiosa
saga de destinatários. Subitamente, sem que a minha pesquisa tenha notado o
momento exato, ser Joaquim deixou de identificar os meninos pobres que nós
fomos e passou a nomear os filhos dos ricos. Sete anos atrás, por exemplo, eu
escrevi uma carta de boas vindas ao filho do Luciano Huck, também nosso xará, e
fui avisando ao menino que era um peso. Acho que errei no drama. Tenho
encontrado tantos outros joaquins com menos de dez anos, todos filhos da boa
Zona Sul esclarecida e endinheirada, que ouso dizer, meu bom ministro, entramos
na moda.
Com o sucesso de sua
dosimetria, então, chamar-se Joaquim deixará definitivamente de ser um fardo a
se carregar com os sacos de batata do armazém — embora eu só acredite no
milagre no dia em que um galã da Globo se chamar assim. Torço para que se torne
um nome comum, sem estigmas, e que seja pronunciado na íntegra, com todas suas
três sílabas. Eu fui perseguido a vida inteira por apelidos. Cortavam o Joaquim
em pedaços, não sei se por ser muito grande, por ter esse final anasalado, ou
se para me evitarem o constrangimento de, ao me gritarem por completo, suscitar
na turbamulta um coro feroz de quirinquinquim. Eu fui o Quincas, o Joca, o
Juca, o Joaca, o Joa e o Quinzinho. Sobrevivi, não me queixo. Se nascido hoje
no subúrbio, nas mesmas condições sociais, o sonho de que a vida me desse um
status melhor talvez fizesse meus pais me chamarem Welleyson.
Enfim, meu bom ministro, ser
Joaquim hoje é muito diferente d’antanho e eu desejo felicidade a todos os que
assim estão sendo batizados por pais que procuram descomplicar o destino dos
seus filhos, fugindo da falsa pompa dos nomes estrangeirados. Sejamos
lusitanamente modestos e deixemos que os meninos façam os nomes. Sejam
bem-vindos Antonio, Eduardo, Iolanda, Tereza, Helena. Que em meio a esse
modismo de simplicidade, outros nomes, como Alzira, Dolores, Sandra, Florinda,
Armindo ou Ademar, ressuscitem nos cartórios e apaguem essa mania BBB de chamar
as novas gerações de Graziele, Jean, Uanderson ou Suellen.
A justiça foi feita, senhor
ministro, e peço vênia — pau na canalha xinfrim! — para acabar minha missiva
assim. Ninguém mais caçoa do quirinquinquim. Custou, mas ser Joaquim deixou de
ser o fim.
*Joaquim Ferreira dos Santos é colunista do GLOBO, que publica sua
crônica às segundas no Segundo Caderno. Ele é também responsável pela coluna Gente
Boa, 19-11-2012
Via Ancelmo.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-