sábado, 24 de novembro de 2012

Meus amigos do lado esquerdo do peito

Carlos Lúcio Gontijo
O dom da palavra escrita me empurrou desde cedo para pessoas de mais idade, que se me apresentavam mais dispostas (e capazes) de me dar ouvidos. Dessa forma, praticamente não tenho amigos de infância, mas conhecidos de infância – era um preço a pagar e eu paguei! 

Ilustração: daqui
Parte considerável de meus amigos do lado esquerdo do peito já não se faz presente no mundo material; são lembranças vivas em minha memória. Eles estão comigo a cada vez que parto à procura de algum patrocínio, ainda que mínimo, para alcançar a edição de um livro, quando a grande maioria das portas se fecha ou me dá as desculpas mais esfarrapadas, para se eximir de me auxiliar na produção de um projeto cultural gráfico. As negativas são tão comuns que não me incomodam mais, pois afinal se tratam apenas de portas que não desejam se abrir, segundo a vontade desprovida de horizontes daqueles a que abrigam!

Confesso que meus amigos de cabelos encanecidos me fazem muita falta, até mesmo na hora de tomar uma cervejinha gelada, cujo tira-gosto principal é o bate-papo construtivo, real e às vezes até metafórico, quando a conversa mergulha no invisível ou na imaterialidade, que anda longe da disputa pelos produtos expostos sob as vitrines iluminadas do capitalismo, onde é preciso ter para se apropriar do sentimento de existir.

Todo fim de ano, ponho-me a lembrar dos tempos felizes que passei ao lado de meus velhos amigos. Vem-me à mente a figura de Elias Maboub, que era meu substituto de absoluta confiança na época em que supervisionava turno de Revisão dos jornais “Diário da Tarde/Estado de Minas”. Grande conhecedor de gramática, mas acima de tudo uma das pessoas mais honestas que conheci em minha vida, nasceu na cidade de Damur, no Líbano, veio para o Brasil aos dois anos e não havia (nem há) neste mundo alguém mais brasileiro que ele.
Que saudades, guardo no coração do amigo José Cândido Ferreira, que foi ao meu encontro por causa de meus artigos no “Diário da Tarde”! Ele era meu leitor assíduo e certa feita, num fim de tarde, subiu as escadas até a redação do jornal com a finalidade de me conhecer pessoalmente. José Cândido tinha naquela ocasião 88 anos e, em seguida, lançou um livro com dedicatória para mim, premiando-me inclusive com citação de frase extraída de um de meus artigos. “Eu, candeeiro de boi” (nome por mim sugerido) é livro que de vez em quando folheio, numa espécie de homenagem ao inesquecível José Cândido Ferreira, que faleceu aos 100 anos.

Outro amigo inarredável de minha memória é Mário Clark Bacellar, arquiteto e também jornalista da extinta e conceituada revista “Manchete”, que lhe deu a oportunidade de conhecer 65 países. Na sala de minha casa, conservo uma mesa que ele me deu de presente, além de um quadro na parede. Mário Bacellar era admirador declarado e constante incentivador de meu trabalho literário. Foi através dele que conheci Graça Paiva em Contagem, que conseguiu reunir um grupo de empresárias contagenses para patrocinar a edição do livro “Pelas Partes Femininas”.

E tem ainda o jornalista Pedro Rabelo Mesquita, que enquanto teve saúde esteve presente em todos os lançamentos de meus livros em Belo Horizonte, chegando mesmo a conseguir patrocinador para coquetel em concorrida noite de autógrafo, com a presença de mais de 300 pessoas, na Associação Mineira de Imprensa (AMI), da qual ele foi membro de diretoria por muitos anos. Hoje, com grave perda de memória, o querido amigo Pedrinho se encontra internado em clínica na cidade de Divinópolis, sob a mais completa solidão de amigos.

No mais, que me desculpem meus casuais leitores pela exposição de lembranças pessoais, mas talvez assim eu esteja passando-lhes, de alguma maneira, a noção de que devemos honrar os amigos, festejá-los para além e acima das comemorações natalinas e de fim de ano, pois a verdadeira amizade é coisa de toda dia, devendo ser protegida e aquecida na humildade e no calor da aura da manjedoura de nossa alma, como se fossem estrelas-guia em nossas vidas.

Título e Texto: Carlos Lúcio Gontijo, Poeta, escritor e jornalista, 24-11-2012

3 comentários:

  1. Os Amigos são amigos mesmo ausentes, pois, a amizade é presente do coração e, assim sendo, não há como recusar.
    Lindo texto!

    ResponderExcluir
  2. O maior índice de traições está no rol dos amores e das amizades. Não admito amigos sinistros (versão italiana de destros).

    ResponderExcluir

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-