quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O bloco de Louçã

Paulo Lopes Marcelo
Francisco Louçã deixou no Sábado a liderança do partido que ajudou a fundar há treze anos. Este afastamento vai suscitar os habituais elogios politicamente correctos.
Não contem comigo para esse peditório. A deferência pela extrema-esquerda é uma das singularidades nacionais. Com excepção da Grécia (Syriza), em mais nenhum país da europa ocidental, os partidos de esquerda radical (PCP e BE) têm uma popularidade tão elevada, perto dos 20%, a acreditar nas últimas sondagens. Dá que pensar.
Louçã é o exemplo acabado do demagogo radical. A sua inteligência e verbo inflamado ajudam a disfarçar o populismo que o levou, várias vezes, a distorcer factos em nome do melhor ‘sound bite' parlamentar. Por detrás de uma aparente modernidade, Louçã é um comunista não assumido. A sua visão do mundo é marxista, a que soma a "revolução permanente" do trotskismo, onde o jargão ideológico é substituído por uma linguagem não menos maniqueísta e fracturante, que separa os "nossos" dos "outros", genericamente classificados de ricos, corruptos ou hipócritas.
Com o fracasso do socialismo real, a esquerda tenta encontrar novas causas, desde antiamericanismo, à luta contra a família dita ‘tradicional' e, mais recentemente, o combate à austeridade atribuída à ‘troika', como se uma pior austeridade não tivesse emergido em todos os países que levaram à prática o seu ideal igualitário. Mas este tacticismo ideológico não esconde alguns paradoxos: como defender o socialismo e a propriedade privada; proibir o despedimento em empresas lucrativas mas dizer que se respeita a liberdade empresarial; ou falar de direitos humanos e laicismo ao mesmo tempo que se apoia o Hizbolah, o braço armado do Irão. Só a cumplicidade de certos jornalistas permite disfarçar estas incoerências debaixo de uma capa de modernidade.
Sem esquecer o radicalismo que tem levado o Bloco a rejeitar qualquer tipo de coligações, mesmo à esquerda, ou a recusar reuniões com a ‘Troika' na primavera de 2011. Os mesmos tiques autoritários vieram agora ao de cima no processo de sucessão de Louçã. Nos partidos democráticos os dirigentes são eleitos e não nomeados. Em vez de se afastar, permitindo um debate e renovação depois do BE ter perdido metade dos deputados nas legislativas, Louçã não resistiu a sugerir os seus sucessores naturais, num modelo bicéfalo que vai enfraquecer a liderança até ao regresso do fundador e líder natural. Depois do mau resultado de Manuel Alegre, desta vez será o próprio Louçã a avançar para as presidenciais. Só isso explica este precoce afastamento de um partido feito à sua imagem e que aguardará ansiosamente o seu regresso.
Título e Texto: Paulo Lopes Marcelo, Diário Económico, 13-11-2012
Grifos: JP

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