terça-feira, 13 de novembro de 2012

Portugueses estão indo para ex-colônia africana para escapar da crise do euro

Sudarsan Raghavan
Quando Márcio Charata perdeu seu emprego bem remunerado no sul de Portugal há dois anos, ele enviou seu currículo para todos os seus contatos. Determinado a sobreviver aos problemas do estrangulamento econômico na Europa, ele conseguiu marcar vinte entrevistas – mas não conseguiu trabalho. Então, ele voltou suas atenções para um mercado distante e improvável: Moçambique, uma ex-colônia de Portugal que havia sido destruída pela guerra fratricida e genocida.

Foto: Carlos Litulo/Washington Post
Hoje, Charata é um executivo veterano numa empresa midiática moçambicana, juntando-se a milhares de compatriotas portugueses que têm chegado ao país nos últimos meses buscando um porto seguro para trabalhar e ganhar dinheiro, coisas que estão difíceis de serem conseguidas na Europa afligida pela crise econômica chamada vulgarmente de ‘crise do euro’. “Isto aqui é um oasis no deserto”, disse Charata, 33 anos, sorrindo.
Enfrentando um desemprego crescente, aumento de impostos e cortes em programas sociais, muitos portugueses estão viajando para as antigas colônias em busca de trabalho, para os mesmos lugares de onde seus ancestrais colonizadores foram forçados a sair há mais de meio século – países como o Brasil, Angola e Moçambique, que se jactam de ter as economias que mais rapidamente crescem no mundo, alimentadas por vastas jazidas de petróleo, minerais e outras matérias-primas.
A África subsaariana, com certeza, não é economicamente a terra prometida. Grande parte do continente ainda luta com alto índice de pobreza, doença, e desemprego, e as empresas enfrentam grandes obstáculos, incluindo corrupção estatal e burocracia.
Mas os recém-chegados portugueses são uma indicação de que o continente está economicamente em movimento. A classe média está crescendo em muitos países africanos, assim como grandes projetos de infraestrutura estão em andamento. Os investidores estrangeiros estão vasculhando a região em busca de oportunidades de rentabilidade que está em queda nos mercados tradicionais europeus e americanos, enquanto o comércio com a China está se expandindo. O Banco Mundial prevê que um terço de todos os países africanos cresce a taxas superiores a 6 por cento este ano, com as economias de muitas nações se expandindo mais rapidamente do que as economias dos ‘tigres’ do Leste Asiático.
De 2009 a 2011, o número de portugueses recém-chegados, registrado pela sua embaixada em Maputo, aumentou de quase 19 mil para algo em torno de 23 mil, ou seja, um aumento de 21 por cento, sendo que a maioria se fixou em Maputo e Beira. Muitos recém-chegados são profissionais altamente qualificados, incluindo arquitetos, engenheiros e médicos.
O número de empresas portuguesas que demonstram interesse em investir no país do sudeste africano mais do que dobrou este ano, indo de dez delegações visitantes no ano passado para vinte e duas neste ano, conforme relatório da Câmara de Comércio Moçambique-Portugal.
Pela capital Maputo afora, restaurantes e cafés estão cheios de portugueses que imigraram recentemente. A TAP, a linha aérea nacional de Portugal tem aumentado o número de voos para Maputo de um para três por semana. “Todo mundo está sentindo o aperto da crise econômica e Moçambique oferece uma porção de oportunidades”, disse Gonçalo Teles Gomes, Cônsul Geral de Portugal em Maputo. “As pessoas acham que aqui é o ‘El Dorado’”, acrescentou o Cônsul, em referência à lendária “cidade perdida de ouro” na América do Sul, que cativou os exploradores por séculos.

UMA NOVA ONDA DE CRESCIMENTO
Portugal governou Moçambique do século XVI em diante, gerando o que iria se tornar um legado colonial vergonhoso, incluindo a escravidão forçada da população local. Em 1964, irromperam as lutas pela independência da colônia, entre os rebeldes e as autoridades coloniais portuguesas, que terminaram com a independência de Moçambique em 1975. Subsequentemente, a maioria dos portugueses fugiu apavorada do país ou foram expulsos pelo novo governo, deixando o país numa completa desordem econômica. Uma guerra civil se seguiu durando quinze anos e matando aproximadamente um milhão de pessoas antes que um acordo de paz fosse assinado em 1992.
A história turbulenta das relações entre Moçambique e seu antigo colonizador não foi esquecida pelos muitos novos portugueses que chegam ao país. “Não estou orgulhoso com o que meus ancestrais fizeram”, disse Charata, que chegou ao país há 11 meses. “Trata-se de uma situação irônica; estamos tentando construir uma segunda vida na mesma nação que nos expulsou”.
O PIB de Moçambique cresceu a uma média de 7,2 por cento na última década, muito embora o país permaneça um dos mais pobres e subdesenvolvidos do mundo. Com novas descobertas de jazidas de carvão e gás natural, o país pode se tornar um exportador importante de combustíveis fósseis e outros minerais ao longo da próxima década. Muitos dos novos portugueses que chegam estão a ir para a cidade de Tete que cresce com as novas minas de carvão, no noroeste em busca de trabalho.
Gigantescos guindastes amarelos da construção civil pairam nas alturas contra o céu de Maputo, onde a atividade sofre uma expansão enorme e repentina para alimentar o apetite da sua crescente classe média. É por isso que Manuel Silva, 37 anos, trabalhador na construção civil chegou aqui há dois meses. Em Lisboa, essa atividade praticamente cessou. Destarte, quando uma empresa portuguesa lhe ofereceu um contrato, primeiro em Angola, e depois em Moçambique, ele aceitou prontamente. Em Maputo, ele ganha 50 por cento mais do que ganhava em Lisboa. E seu salário é pago em euros em Portugal. “Minha família precisa de dinheiro, pois temos dois filhos para criar”, disse Silva.
A especialista em planejamento urbano, Ana Martins, 31 anos, pediu demissão de seu emprego no governo português no ano passado porque ela estava preocupada com a crise do euro e com as inevitáveis medidas de austeridade que o governo seria obrigado a tomar. Em Maputo, ela dirige uma firma de consultoria em arquitetura e urbanização, ganhando três vezes mais do que ganhava como funcionária pública em Lisboa, com apartamento para morar, carro e outros benefícios. Toda semana, conta ela, sua caixa postal se enche de ­e-mails de portugueses procurando postos de trabalho em Moçambique.
Em janeiro último, seu marido planeja mudar para a cidade e morar com ela, também. Ele é médico, e disse que a atividade médica em Moçambique está crescendo de modo promissor, com mais hospitais e clínicas buscando profissionais treinados e competentes. “Em Portugal, não temos futuro para crescer em nossas carreiras”, disse Martins.

Benefícios e inconvenientes
Entre os moçambicanos, a reação em relação a essa “invasão branca” portuguesa é mista. Alguns reconhecem que os imigrantes – enquanto mão-de-obra especializada – são de extrema importância em face das necessidades dos mercados em expansão nas áreas de construção civil, de tecnologia, de bancos e na indústria desta nação que cresce vertiginosamente, mas que não consegue ainda produzir seus próprios profissionais ao nível dos que chegam ao país de Portugal. “Eles são uma vantagem e não uma desvantagem”, disse André Massina, 27 anos, um engenheiro moçambicano que trabalha para empresas estrangeiras que atuam no país. “Eles estão vindo para cá para criarem algo novo. Estão criando empregos e gerando riqueza por aqui, além de acumularem capital, para amanhã, certamente continuarem a criar mais trabalho e gerar mais riqueza para o país”.
Mas há os indefectíveis membros de uma minoria que vê a chegada dos novos portugueses como uma forma de ‘neocolonialismo’. Em entrevistas, os trabalhadores moçambicanos na construção civil expressam seu ressentimento com relação aos altos salários pagos aos profissionais portugueses para fazerem o mesmo trabalho. “Eles nos usam e nos insultam. Não nos tratam muito bem”, disse Paolo Domingos, 21 anos, um pedreiro moçambicano. “Gostaria se eles voltassem para casa e não retornassem mais”.
Por outro lado, não é fácil para um português arranjar emprego em Moçambique, pois, pela lei, para cada estrangeiro contratado por uma empresa local, diversos nativos têm que ser por ela admitidos. Estrangeiros têm ainda que enfrentar os obstáculos de uma morosa burocracia típica de país subdesenvolvido, graças a qual podem levar meses para obter documentos de trabalho regular.
Assim, a maioria dos portugueses já vem para o país contratados por empresas estrangeiras que não estão sujeitas a tais exigências legais e entraves burocráticos e, por isso, recebem em Portugal. Mas os que vêm para tentar fazer parte do mercado de trabalho local encontram muitas dificuldades e muitos não conseguem colocação decente e acabam voltando, mesmo sob pressão por causa da crise doméstica. Por isso, estes sofrem um ‘choque de realidade’ e em Maputo, onde os aluguéis disparam e a maioria das mercadorias são mais caras do que em Portugal, ficam rapidamente sem dinheiro e são forçados a voar de volta para casa.
“Muitos chegam com muitos problemas financeiros, com pouco dinheiro no bolso e muita esperança”, disse Nuno Pestana, proprietário de um conhecido restaurante, chamado ‘Taverna’, de cozinha lusitana. “Então, quando o dinheiro acaba, também acabam suas esperanças”.
Muitas empresas portuguesas também acham difícil fincar o pé e se estabelecer em Moçambique. “Elas têm que investir muito dinheiro, e podem levar anos para começar a ter bons resultados”, disse Ema Soares, CEO da Câmara de Comércio Moçambique-Portugal.
Ainda, 400 empresas portuguesas já se registraram para montar suas equipes numa feira de comércio em Lisboa, este mês, explorarem as oportunidades de investimento em Moçambique, o que representa um aumento de 25 por cento em relação ao número do ano passado. “Todas elas querem escapar da crise”, disse Ema.
Charata compreende. A maioria dos seus amigos que ficaram em Portugal está desempregada e preocupada com o dia em que o seguro desemprego acabar. Diz ele que faz um grande esforço para se integrar à sociedade moçambicana. Muito embora ele ganhe menos da metade do que ganhava em Portugal, ele não tem planos de ir embora num futuro próximo.
“O pior cenário é voltar para Portugal”, disse Charata. “Pelos próximos cinco ou dez anos, será difícil levar uma vida decente por lá”.
Título e Texto: Sudarsan Raghavan, para o jornal americano “The Washington Post”, 12-11-2012
Tradução: Francisco Vianna

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