O Estado de S.Paulo
Eis a palavra de ordem: Luiz
Inácio Lula da Silva paira acima da Justiça, e o seu detrator, o publicitário
Marcos Valério, é um desqualificado. Desde que, na semana passada, este jornal
revelou que o operador do mensalão, em depoimento à Procuradoria-Geral da
República, em setembro último, acusou o ex-presidente de ter aprovado o esquema
de compra de votos de deputados e de tirar uma casquinha da dinheirama que
correu solta à época do escândalo, o apparat petista e os políticos governistas
apressaram-se a fazer expressão corporal de santa ira: "Onde já se
viu?!".
Apanhado em Paris pela notícia
da denúncia, Lula limitou-se a dizer que era tudo mentira, alegou indisposição
para não comparecer a um jantar de gala oferecido pelo presidente François
Hollande à colega brasileira Dilma Rousseff e, no dia seguinte, fugiu da
imprensa, entrando e saindo dos recintos pela porta dos fundos - algo não
propriamente honroso para um ex-chefe de Estado que se tem em altíssima conta.
Em seguida, usando como porta-voz o secretário geral da Presidência, Gilberto
Carvalho, declarou-se "indignado". Outros ministros também se
manifestaram. Como nem por isso as acusações de Valério se desmancharam no ar,
nem o PT ocupou as praças para fulminá-las, os políticos tomaram para si a defesa
do acusado.
Na terça-feira, um dia depois
do término do julgamento do mensalão, oito governadores se abalaram a São Paulo
em romaria de "solidariedade" a Lula, na sede do instituto que leva o
seu nome. De seu lado, a bancada petista na Câmara dos Deputados promoveu na
sala do café da Casa um ato pró-Lula. Foi um fracasso de bilheteria: poucos
parlamentares da base aliada (e nenhum senador) atenderam ao chamado do líder
do PT, Jilmar Tatto, para ouvir do líder do governo Dilma, Arlindo Chinaglia,
que Lula "é (sic) o maior presidente do Brasil", além de
"patrimônio do País", na emenda do peemedebista Henrique Eduardo
Alves, que deve assumir o comando da Câmara em fevereiro. Não faltaram,
naturalmente, os gritos de "Lula, guerreiro do povo brasileiro".
Já a reverência dos
governadores - aparentemente, uma iniciativa do cearense Cid Gomes -
transcorreu a portas fechadas. Havia três petistas, dois pessebistas (mas não
Eduardo Campos, que se prepara para ser "o cara" em 2014 ou 2018),
dois peemedebistas e um tucano, Teotônio Vilela Filho, de Alagoas,
autodeclarado amigo de Lula. Seja lá o que tenham dito e ouvido no encontro, os
seus comentários públicos seguiram estritamente a cartilha da intocabilidade de
Lula, com as devidas variações pessoais. Agnelo Queiroz, do PT do Distrito
Federal, beirou a apoplexia ao proclamar que Valério fez um "ataque vil,
covarde, irresponsável e criminoso" a Lula. "Só quem confia em
vigarista dessa ordem quer dar voz a isso."
Não se trata, obviamente, de
confiar em vigaristas, mas de respeitar os fatos. Valério procurou o Ministério
Público - não vem ao caso por que - para fazer acusações graves a um
ex-presidente e ainda figura central da política brasileira. Não divulgá-las
seria compactuar com uma das partes, em detrimento do direito da sociedade à
informação. Tudo mais é com a instituição que tomou o depoimento do gestor do
mensalão, condenado a 40 anos. Ainda ontem, por sinal, o procurador-geral
Roberto Gurgel, embora tenha mencionado o contraste entre as frequentes declarações
"bombásticas" de Valério e os fatos apurados, prometeu examinar
"em profundidade" e "rapidamente" as alegações envolvendo
Lula.
Não poderia ser de outra
forma. "Preservar" o ex-presidente, como prega o alagoano Teotônio
Vilela Filho, porque ele tem "um grande serviço prestado ao Brasil",
é incompatível com o Estado Democrático de Direito. O que Lula fez pelo País
pode ser aplaudido, criticado ou as duas coisas, nas proporções que se queiram.
O que não pode é torná-lo literalmente inimputável. Dizer, por outro lado, como
fez o cearense Cid Gomes, que Valério não foi "respeitoso com a figura do
ex-presidente e com a memória do Brasil" põe a nu a renitente mentalidade
que evoca a máxima atribuída ao ditador Getúlio Vargas: "Aos amigos, tudo;
aos inimigos, a lei".
Título e Texto: Editorial, Estado de S. Paulo, 20-12-2012
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