Brilhante a análise da
patética carta dos 70 encabeçada pela jararaca-mor.
A carta dos 70
Adolfo Mesquita Nunes
Esta carta representa tudo o que Portugal foi e tudo o que, por três
vezes na nossa história recente, nos levou a pedir ajuda externa
Na semana passada, 70 personalidades lideradas por Mário Soares, quase todas de esquerda e
dizendo-se intérpretes da vontade popular, escreveram uma carta ao
primeiro-ministro exigindo-lhe mudança de políticas ou, em alternativa, a sua
demissão.
Note-se, em primeiro lugar, a
arrogância dos signatários da carta: consideram-se os justos representantes do
clamor popular.
Não sabemos quem, de entre o
povo, lhes passou o mandato popular. Nem sabemos de que forma ou em que momento
foi esse mandato conferido. E não sabíamos – eu, pelo menos, não sabia – que o
povo, nos seus milhões de vontades e aspirações, consegue formar uma vontade
una, indivisível, totalitária, revelada aos 70 e por estes apropriada.
Sabemos apenas, ou não fosse a
esmagadora maioria dos signatários de esquerda (o que oferece, como se sabe, o
pressuposto da bondade e da identificação com o bem comum), que se sentem
justos representantes do povo.
Eles é que sabem, os 70. Não
foram eleitos, os 70; não foram a votos, os 70; não pediram mandato, os 70; nem
receberam procuração, os 70. Mas isso são pormenores: eles é que sabem. Porque
sim. Talvez por serem de esquerda.
Note-se, em segundo lugar, o
desprezo, porque é disso que se trata, com que os signatários tratam a
Constituição e, já agora, os portugueses (sim, os portugueses).
A Constituição tem regras
sobre a nomeação e demissão do governo – regras que os signatários deviam
conhecer, até porque andam sempre com a Constituição no verbo – e que de forma
alguma autorizam uma espécie de conselho de sábios a arrogar-se o direito ou
dever ou poder de determinar o momento a partir do qual um governo deve ser
demitido ou pedir a sua demissão.
E essas regras pressupõem,
basta lê-las, a democracia parlamentar. É o parlamento que representa, para o
que ora nos interessa, a vontade popular. E é no parlamento que se formam as
maiorias necessárias para manter ou não um governo.
Aquilo que os signatários da
carta demonstram pelo parlamento e, por isso, pelos portugueses que o elegeram,
não é outra coisa senão desprezo, como se o parlamento não servisse para nada
ou, pior, como se o parlamento não representasse a vontade popular.
Serei só eu a considerar grave
que haja deputados (sim, há deputados entre os signatários) a querer, através
desta carta, obter algo que, negado nas urnas, sequer tentaram no parlamento?
Note-se, enfim, a displicência
dos signatários.
Críticas, é só lê-las
espalhadas pelos parágrafos da carta. Soluções alternativas, daquelas que se
podem propor no parlamento, estilo faça-se x ou legisle-se no sentido y, é que
está quieto. Mande-se abaixo o governo, porque sim e porque não é de esquerda.
Para fazer o quê é que não se sabe. Parece que não é preciso e que basta dizer
crescimento, crescimento, crescimento.
Esta carta, no consenso que
arrogantemente pretende iludir e no espelho que procura ser da elite
portuguesa, funciona afinal como paradoxo.
O país entrou em
pré-bancarrota depois de décadas de irresponsabilidades que foram consentidas,
toleradas e muitas vezes aplaudidas apenas porque embrulhadas num qualquer
amanhã que canta, porventura ao gosto de alguns dos 70. Esta carta representa
tudo o que Portugal foi e tudo o que, por três vezes na nossa história recente,
nos levou a pedir ajuda externa.
Nada me move contra os 70
signatários. Sou admirador de uns, leitor compulsivo de alguns e até,
orgulho-me, amigo de outros. Mas nem a admiração, nem o gosto nem a amizade me
impedem de considerar que o caminho defendido pelos 70, na parte que tem de
perceptível, procura a perpetuação de um modelo socialista que não consigo
defender e que nos arruinou.
Texto: Adolfo Mesquita Neto, Jurista e deputado do CDS, jornal “i”, 07-12-2012
Gosto da honesta e transparente “assinatura”, isto é, além da profissão é
referida a família política do autor do texto. Ao lê-lo, sabemos o que nos
espera, digamos assim. Tal “assinatura” deveria ser obrigatória para todos que
escrevem para os jornais ou são “comentadores” nas rádios e TVs. Evitar-nos-ia
o trabalho de ir pesquisar a que famiglia
pertence tal comentador, ou a intenção subjacente do seu comentário ou artigo.
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